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Exame secreto para magistratura

O jurista Luis Roberto Barroso usa amanhã a tribuna do CNJ (Foto: arquivo)

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) julga amanhã (18) seis procedimentos de controle administrativo que pedem a anulação das provas orais do 183º Concurso realizado pelo Tribunal de Justiça para ingresso na magistratura de São Paulo, reunidos sob a relatoria do Conselheiro Gilberto Valente. O concurso encontra-se suspenso desde maio, por força de liminar concedida pelo próprio CNJ que reconheceu a existência de indícios de irregularidades. A suspensão foi mantida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão do vice-presidente do tribunal, ministro Joaquim Barbosa que faz referência a fatos incontroversos, reconhecidos pela própria Comissão Examinadora.

Os fatos citados pelo Ministro consistem na “realização de entrevista pessoal e secreta com cada candidato em momento anterior à divulgação das notas das provas orais, bem como a abertura dos envelopes com as notas das provas orais em sessão secreta”. Segundo o professor Luís Roberto Barroso, que representa os candidatos preteridos e fará a sustentação oral, “a realização de entrevistas secretas reedita uma antiga prática do regime militar, que permitia a distinção entre os candidatos adequados e inadequados, naturalmente segundo os critérios pessoais dos examinadores”.

Nessa linha, aliás, muitos dos candidatos afirmam terem ficado perplexos com o que ouviram na sala reservada. De comentários sobre a dificuldade de adaptação a São Paulo por parte de pessoas vindas de outros Estados e sobre a importância do casamento tradicional até perguntas sobre a solidez de sua estrutura familiar ou sobre a sua opinião acerca da decisão do STF na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)  54, que tratou da anencefalia.

Segundo os preteridos, esse tipo de avaliação subjetiva acabou sendo o fator determinante para a escolha dos novos magistrados, em lugar dos conhecimentos jurídicos. Um dos candidatos que foram ao CNJ havia obtido nada menos que 8,25 na média das provas escritas, o que equivalia a 13ª maior nota entre todos os concorrentes. Na prova oral, após a entrevista secreta, acabou eliminado por meio ponto. O índice geral de reprovações também surpreende. Na contramão da maioria dos concursos recentes para juiz – que não registraram qualquer reprovação nessa última fase –, o Tribunal de Justiça de São Paulo reprovou 146 dos 216 candidatos habilitados para a prova oral, nada menos que 58%. E isso apesar das 196 vagas previstas no edital e da existência de 235 cargos abertos e não preenchidos, segundo informação do próprio Tribunal de Justiça.

Caso confirme essas ou outras das alegações de irregularidade, o CNJ terá de decidir a solução a ser adotada. Os candidatos preteridos – invocando precedentes do CNMP, do STJ e do próprio STF – postulam a anulação da etapa de provas orais e a atribuição de nota mínima aos 216 candidatos que chegaram até aqui, deixando para trás cerca de 15.000 outros concorrentes. Com isso, seria mantida a classificação resultante das provas desidentificadas, sobre as quais não há suspeita de irregularidades. Outra opção seria o refazimento da prova oral para todos os candidatos, solução que teria de lidar com algumas dificuldades práticas e com o receio de que a nova banca viesse a incorrer nos mesmos vícios, em maior ou menor extensão, correndo-se o risco de que se mantenha um véu de suspeita sobre o resultado final.

Por fim, como terceira opção, os 70 candidatos que haviam sido aprovados pedem que seja garantida a sua posse, sem prejuízo de que a prova seja refeita para os demais. Segundo eles, essa seria a forma de preservar a parte incontroversa do concurso e proteger terceiros de boa-fé.

Essa última proposta, porém, enfrenta resistências variadas. Segundo Luís Roberto Barroso, a solução seria inconcebível, dada a constatação de que uma mesma etapa de concurso não poderia ser válida para alguns e inválida para outros, sobretudo quando se caracteriza uma oposição entre favorecidos e discriminados. Esse mesmo raciocínio parece estar subjacente à decisão monocrática do Ministro Joaquim Barbosa, referida acima. Ao negar a liminar que pretendia autorizar a posse dos setenta aprovados, o Ministro ressaltou que o periculum in mora seria inverso e destacou que “o exercício da função judicante deve ser revestido de segurança e de legitimidade, atributos que deixam de subsistir quando é colocada em dúvida a realização do concurso de que participaram os juízes eventualmente empossados”.

Em artigo divulgado poucos antes de as impugnações virem à tona, o Presidente da Comissão Examinadora afirmou que “escolher juízes não é a mesma coisa que contratar empregados, por mais gabaritados que sejam eles” e que era necessário selecionar pessoas destinadas a levar a efeito o mister de julgar, “sob o ponto de vista de caráter, sacerdócio, dedicação exclusiva e, sobretudo, retidão na sua vida pública e privada”. As entrevistas secretas faziam parte da fórmula. Resta saber se o Conselho Nacional de Justiça irá referendar essa aSeguem algumas perguntas feitas durante a entrevista secreta no Tribunal de Justiça de São Paulo:

– Mas a senhora está grávida. Não acha que já começaria a carreira como um estorvo para o Poder Judiciário?

– Gente de Brasília não costuma se adaptar a São Paulo. O senhor está convicto de seus propósitos?

– Qual sua religião?

– O senhor concorda com a decisão do Supremo em relação à interrupção de gravidez de fetos anencéfalos?

– Sua esposa trabalha? Qual a profissão dela? Tem certeza de que se adaptaria?

– Como é a sua família? Tem bases sólidas?