Há 50 anos, no dia 18 de maio de 1973, uma sexta-feira, começou como um dia qualquer na família Cabrera Crespo. Araceli saiu de casa, no bairro de Fátima, na Serra, e seguiu para a Escola São Pedro, na Praia do Suá, em Vitória, no Espírito Santo. Por conta do horário do ônibus que a levaria de volta para casa, a mãe, Lola Cabrera Crespo, pediu para que Araceli saísse da escola mais cedo.
Ao sair da escola, ela foi vista por um adolescente em um bar entre o cruzamento das avenidas Ferreira Coelho e César Hilal, em Vitória, que fica a poucos minutos da escola onde a menina estudava. Essa testemunha disse à polícia, na época, que a menina não tinha entrado no coletivo e ficou brincando com um gato no estabelecimento. Depois disso, Araceli não foi mais vista. Quando a noite chegou, o pai, Gabriel Sanchez Crespo, iniciou as buscas.
Dias após o desaparecimento, em 24 de maio, o corpo de uma criança foi encontrado desfigurado e em avançado estado de decomposição em uma mata atrás do Hospital Infantil, em Vitória. Quem encontrou o corpo de Araceli foi o policial Ronaldo Monjardim, junto com o seu pai.Durante as investigações, provas e depoimentos misturaram fatos com boatos. Mesmo 44 anos após o desaparecimento de Araceli, o assunto ainda é um mistério. Além de grande parte das testemunhas terem morrido, as que ainda estão vivas se recusam a falar do assunto.
Diante dos fatos apresentados pela denúncia do promotor Wolmar Bermudes, a Justiça chegou a três principais suspeitos:
Dante de Barros Michelini (o Dantinho); Dante de Brito Michelini (pai de Dantinho) e Paulo Constanteen Helal. Todos os suspeitos são membros de tradicionais e influentes famílias do Espírito Santo.
A versão da morte da menina apresentada pela acusação, que mais tarde terminou no julgamento dos acusados, afirma que Araceli foi raptada por Paulo Helal, no bar que ficava entre os cruzamentos da rua Ferreira Coelho e César Hilal, após sair do colégio. No mesmo dia, a menina teria sido levada para o então Bar Franciscano, na Praia de Camburi, que pertencia a Dante Michelini, onde foi estuprada e mantida em cárcere privado sob efeito de drogas. Por causa do excesso de drogas, Araceli entrou em coma e foi levada para o hospital, onde já chegou morta. Segundo essa versão, Paulo Helal e Dantinho jogaram o corpo da menina em uma mata, atrás do Hospital Infantil, em Vitória.
Em entrevista em 1977, o promotor Wolmar Bermudes explicou a quem se destinavam as acusações. “O Dante Michelini pai pesa a acusação de haver mantido a menor em cárcere privado, dois dias, no sótão do seu bar, em Camburi. Contra os dois, o Dante Filho e o Helal, pesam as acusações de haverem os dois ministrado a infeliz menor tóxicos e haverem ainda de maneira violenta mantido congresso carnal com a infeliz menina”, disse na entrevista. Ainda segundo a denúncia, Dante Michelini usou suas ligações e influência com a polícia capixaba para dificultar o trabalho da polícia. Além disso, testemunhas-chave do processo morreram durante as investigações. Nenhuma dessas acusações foi provada. Durante o julgamento, Paulo Helal e Dantinho negaram conhecer Araceli ou qualquer outro membro da família Cabrera Crespo.
Em 1980, o juiz responsável pelo caso, Hilton Silly, definiu a sentença: Paulo Helal e Dantinho deveriam cumprir 18 anos de reclusão e o pagamento de uma multa de 18 mil cruzeiros. Dante Michelini foi condenado a 5 anos de reclusão. Na ocasião, o juiz Hilton Silly disse em entrevista que os três foram condenados, porque foi provada a materialidade e a autoria do crime. “Foi através não só da farta prova testemunhal, mas também, sobretudo, da prova indiciária, que é chamada prova artificial indireta por circustancial, baseado em indícios veementes, graves, sérios e em perfeita sintonia de causa e efeito com o fato principal”, afirmou em 1980.
Os acusados recorreram da decisão e o caso voltou a ser investigado. O Tribunal de Justiça do Espírito Santo anulou a sentença, e o processo passou para o juiz Paulo Copolilo, que gastou cinco anos para estudar o processo. Por fim, ele escreveu uma sentença de mais de 700 páginas que absolvia os acusados por falta de provas.
Depois da morte de Araceli, os pais da menina se separaram. A mãe foi para a Bolívia em 73 e retornou depois de um ano e pouco. O pai e a mãe decidiram se separar e ela foi pra Bolívia outra vez. O pai se casou, a mãe também se casou de novo. A mãe teve duas filhas e pai teve uma filha e um filho que moram no Brasil hoje em dia. O pai, Gabriel Sanchez Crespo, morreu em 2001. Já Dona Lola continua morando na Bolívia, mas é viúva.
A escola onde a menina estudava já não existe mais na rua General Camara, Praia do Suã. No lote, foi construída uma igreja.
Personagens do caso Araceli
Família Cabrero Crespo
Araceli Cabrera Sanchez Crespo – A menina de 8 anos foi sequestrada, violentada e brutalmente assassinada. Ela se tornou símbolo do combate à violência contra a criança e o adolescente no Brasil.
Lola Cabrera Sanchez Crespo – Mãe de Araceli. Boliviana, veio para o Brasil já adulta, onde se casou com o espanhol Gabriel Sanchez Crespo. Após o desaparecimento da filha, Lola se separou do marido e voltou para Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, onde se casou novamente. Hoje, ela tem dois filhos e está viúva.
Gabriel Sanchez Crespo – Pai de Araceli, o espanhol trabalhava como eletricista em uma empresa que prestava serviços para Companhia Siderúrgica de Tubarão. Depois da morte da filha, Gabriel se separou da mulher e formou uma nova família. Ele morreu em 2000, mas deixou além do irmão de Araceli, outros dois filhos.
Luiz Carlos Cabrera Sanchez Crespo – Irmão mais velho de Araceli, tinha 13 anos quando a irmã morreu. Ele morou na Serra, no Espírito Santo, mas se casou e foi para o Canadá. Ele é o atual proprietário da casa da família, no bairro de Fátima, na Serra.
Acusados
Paulo Constanteen Helal, Dante Brito Michelini (Dantinho) e Dante de Barros Michelini – Os três principais acusados da morte de Araceli. Os Michelini já estiveram entre os maiores proprietários de terra do estado, com interesse na indústria e no comércio. Os Helal estão entre os maiores comerciantes, com interesses na hotelaria e no ramo imobiliário. Paulo e Dantinho continuam vivos e moram no Espírito Santo. Já Dante Michelini já faleceu. À época do crime, ele já tinha mais de 50 anos. Uma das principais avenidas de Vitória recebe o nome do pai de Dante e avô de Dantinho, Dante Michelini (1897-1965), em homenagem aos seus trabalhos no desenvolvimento econômico de Vitória. O fato da avenida ter o nome relacionado à família de um dos acusados do crime já foi motivo de protesto na capital dEspírito Santo. Em 2013, quando o desaparecimento de Araceli completou 40 anos, um grupo se movimentou para mudar o nome da via para Araceli. Ao longo da avenida, os manifestantes colaram adesivos com o nome da menina em cima das placas de identificação da via. Em 2011, Paulo Helal foi preso durante uma operação, suspeito de falsificar documentos entregues ao Departamento Estadual de Trânsito (Detran).
Investigações
Nilson Sant’anna – Perito que estudou a causa da morte de Araceli. Ao Jornal Nacional, em 1977, Nilson explicou que a menina morreu após ser submetida a uma intoxicação por barbitúrico, medicamento usado como sedativo. Além disso, ficou evidente que a vítima sofreu traumatismos quando ainda estava viva.
Hilton Silly – Juiz responsável pelo julgamento que condenou os principais acusados do crime.
Paulo Nicola Copolillo – Juiz que estudou o caso Araceli por cinco anos, depois do julgamento de Hilton Silly. Ele escreveu uma sentença de mais de 700 páginas e absolveu os acusados por falta de provas.