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José Anchieta: Peço licença para elevar o tom

O artigo ‘Peço licença para elevar o tom’ é de autoria do advogado José Anchieta da Silva, presidente da Associação Comercial de Minas Gerais (ACMinas):

A Associação Comercial e Empresarial de Minas – ACMinas, prestes a celebrar 123 anos de sua criação, não tem falhado com suas obrigações estatutárias, no que tange aos superiores interesses dos setores produtivos, todos. A credibilidade de sua palavra, de suas iniciativas não decorre apenas de suas cãs. Decorre sobretudo da responsabilidade que carrega porque, sendo a primeira (primus inter pares – [1901]), deve dar exemplo para todas as demais instituições congêneres ou semelhantes, fazendo-o principalmente na defesa do seu exército de associados, assim como na defesa da sociedade na qual estão inseridos representantes e representados, enfim, de todos os cidadãos e cidadãs brasileiros.

Para ficar apenas na sua história recente, foi assim quando em plena pandemia, saindo na frente, propôs a realização de um “Pacto Nacional” (2020); foi assim quando liderou o “Manifesto dos Mineiros” (2021); foi assim quando da edição de “Notas Públicas” (mais de uma [2022 e 2023]). Parece, todavia, que tem sido pouco. No plano federal, o mau exemplo, sistematicamente, tem vindo de Brasília, aumentando a ansiedade de toda a gente brasileira que todos os dias vê adiados projetos de reforma estrutural no âmbito do Estado e do Governo, provocando um permanente desconcerto de todo o tecido social. Os brasileiros, homens e mulheres, assaltados por uma decepção sem fim, digladiam nas mídias sociais, fazendo-o em grupos aparentemente antagônicos, arrimando todos, no argumento sempre presente e sempre renovado, de alguma disfunção de agentes de governo, o de ontem e o de hoje.

É munida desse senso de realidade que a ACMinas pede licença para elevar o tom. As coisas devem ser tratadas pelo nome e os responsáveis por conhecidos desmandos devem responder pelos seus atos, nos termos e na forma da lei; aliás, como se dá quando delito de qualquer espécie é cometido pela gente comum. Ninguém é superior à autoridade da lei, sendo crime levantar-se contra autoridades constituídas dizendo, de público, que não se cumprirá decisão judicial; sendo delito de anarquia o ato de invadir espaço público e vandalizar palácios e tribunais; não se apresenta como crime menor o fazer pregação também pública em defesa de ditadura vizinha ou distante.

Do lado do legislativo, o tal modelo de “governo de coalização” demonstra com constrangedora clareza que, de fato, capturado está o orçamento do Estado para atender a demandas pessoais com empobrecimento material e moral de cada um dos brasileiros e brasileiras. Operam os legisladores como elefantes de circo, daqueles que somente levantam a pata e a tromba na certeza de que receberão, na boca, um naco de açúcar. Para eles, todo o pão e todo o circo e para os cidadãos comuns, nem brioches.

O poder judiciário, por sua corte que é suprema (aquela que no jargão jurídico erra por último), carrega o peso de, a pretexto de interpretar norma constitucional, dar como resposta a uma mesma pergunta, num mesmo espaço de tempo (porque com a mesma formação), um sim e um não. Foi assim que julgaram a questão da coisa julgada e foi assim que decidiram sobre a prisão de réus com julgamento em segundo grau (o que desmerece as leis e os tribunais superiores, inclusive o próprio supremo tribunal federal).

O povo está cansado e, em nome de seus representados, a ACMinas informa publicamente a todas as autoridades que as instituições privadas estão preparadas para fazer o papel de poder moderador (uma criação de Benjamin Constant, adotada nas duas constituições do Império no Brasil e em Portugal), harmonizando atos e ações dos poderes constituídos, na forma em que concebida por Montesquieu.

O Brasil e os brasileiros não podem mais esperar. Queremos começar (em ações concretas) a indispensável e já tardia ‘reforma do Estado’; a primeira delas, a reforma administrativa, reorganizando os valores consagrados pela democracia, reduzindo concessões e eliminando privilégios que acodem apenas e tão somente aqueles que estão aboletados em cargos de representação pública. Sobre a reforma tributária, é certo que esta deve ser precedida da reforma bariátrica que retire do Estado excessos e ônus desnecessários. Registre-se, para o efeito que não se contentará, a sociedade brasileira, com o argumento de ser este ou aquele privilégio adrede criado o estar de acordo com a lei (leis de ocasião). Junto com a legalidade dos atos, será necessário demonstrar a sua indispensabilidade; sua conformação com os princípios da moralidade pública, da impessoalidade e da origem dos recursos ou fontes. É preciso um basta (!) às leis cuja finalidade única se resume a atender a apetites egoísticos, pessoais ou de grupelhos.

Para criticar e para propor mudanças, a regra primeira há de ser o respeito às instituições. Este texto não pretende transgredir esta regra que é de natureza ético-comportamental. É ancorado nela que se está afirmando que o arremedo de reforma tributária anunciado pela oficialidade, em Brasília, está eivado de inconstitucionalidade na medida em que não respeita o pacto federativo. Concentrando a arrecadação a partir daquilo que denominam “imposto único”, colocam-se Estados e municípios como reféns dos donos do cofre. Não aponta o projeto solução para o passivo tributário judicializado e que responde por expressivo percentual de demandas instauradas. O projeto é repleto de “espaços em branco” que, evidentemente, no vácuo da lei, serão preenchidos de acordo com o apetite arrecadador da máquina burocrática federal.

Contempla o mesmo projeto um “corredor polonês” de dez anos de implantação, longo período no qual vigorariam dois sistemas. O contribuinte brasileiro conviveria por longo tempo com dois purgatórios. A este arremedo de projeto e sem ser devidamente ouvida a sociedade brasileira diz não.

Para este e para outros temas, a sociedade civil organizada (equivale dizer as instituições que a representam [povo, tomado o termo isoladamente, substantivo abstrato, é apenas uma multidão de ninguém]) está propondo uma marcha sobre Brasília (marcha cívica) para discutir com as autoridades ponto por ponto o texto das reformas, na medida certa e de acordo com os interesses legítimos da população e dos contribuintes. Renove-se, em descortinado brado, é cívica a indignação do mundo empresarial.