Por Irineu Tamanini
Em vigor no pais desde o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o instrumento constitucional da reeleição, criado pela Emenda Constitucional número 4, de 14 de setembro de 1993 – portanto há 27 anos – já beneficiou três ex-presidentes da República. O próprio FHC, Lula, Dilma. Certamente, o atual ocupante do Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro, irá disputar a reeleição como fizeram os seus colegas em 2022. Beneficiou, ainda, vários governadores e prefeitos.
Desde a sua criação, o expediente da reeleição colheu aplausos e críticas. Agora, o tema volta a se. A mudança valeria a partir das eleições de 2026.
O site direitoglobal.com.br ouviu opiniões dos mais variados setores da sociedade: ex-presidente da República, ex-presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF), ex-ministro do TST, ex-ministros da Justiça e da Previdência Social, ex-procurador-geral da República, ex-presidentes nacionais da OAB, ex-presidente da Ajufe, diplomata, advogados e jornalistas e ex-craques que atuaram na Seleção Brasileira, Fluminense, Flamengo e Atlético Mineiro, Bahia e Santa Cruz (PE).
Seguem as opiniões dos 20 entrevistados sobre a reeleição de presidentes da República, governadores e prefeitos:
Carlos Mário Velloso, ex-presidente do STF e do TSE:
“A história da República brasileira não conhece a figura da reeleição quanto aos cargos do poder executivo.A reeleição é perniciosa, prejudica a administração. Um bom presidente é capaz de realizar uma notável administração num só período. Exemplo: JK, que construiu Brasília. Inexistindo a possibilidade de reeleição, o mandato ideal seria de cinco anos”.
Marco Aurélio – ministro do STF e próximo decano do Supremo.
” A alternância é sempre democrática e republicana. Ante a cultura brasileira, o vezo de utilizar-se a máquina administrativa visando à reeleição, o término desta implicará maior equilíbrio na disputa”.
Michel Temer, ex-presidente da República, ex-presidente da Câmara dos Deputados em duas Legislaturas:
“Possível juridicamente é. É preciso verificar a conveniência política. Se acabar há de se estabelecer prazo maior para o mandato”.
Torquato Jardim, ex-ministro da Justiça e ex-ministro do TSE:
“Na tecnica do poder de emenda constitucional – não versando cláusula pétrea, sim. É sagaz que seja a partir de 2026 porque protege a emenda do ataque judicial pelos eleitos em 2018 sob o sistema de uma única reeleição.
Carlos Alberto Reis de Paula, ex-presidente do TST e primeiro ministro negro da história do STF e dos tribunais superiores:
” Sou favorável à reeleição pois entendo que para os que desempenharam bem as atribuições do cargo, podem prosseguir, e para os que não o foram, os eleitores têm o voto para afastá-los.”
Aristides Junqueira, ex-Procurador-Geral da República de 20 de junho de 1989 a 28 de junho de 1995:
“À reeleição foi introduzida entre nós recentemente e não condiz com nossa cultura. Chegar de imitar cultura alienígena inadaptável aos nossos bons costumes”.
Jair Soares, ex-ministro da Previdência Social, ex-governador do Rio Grande do Sul, ex-deputado federal e estadual e vereador
“Claro que é possível, desde que ele consiga as assinaturas. A vigência está certa, a partir de 2026. Um mandato de quatro anos é pouco quando o administrador é bom ! ”
Jorge Maurique, ex-presidente da Ajufe, desembargador federal aposentado e advogado:
“À reeleição foi uma péssima ideia! Desorganiza todo o sistema político, pela tentativa de perpetuação da pessoa que comanda o executivo. Tem que acabar mesmo, pelo bem da nossa já tão fragilizada democracia.”
Reginaldo Oscar de Castro, ex-presidente nacional da OAB:
” Segundo Fernando Henrique, seria ingenuidade imaginar que “os presidentes não farão o impossível para ganhar a reeleição”. Em um mundo carente de estadistas, só o voto corrige o estrago que o próprio voto produziu. A democracia não garante sempre a escolha do melhor, apenas permite que se continue tentando, tentando, tentando até acertar.
Isto é afirmação do Noblat. Acrescento que sempre fui opositor à adoção da reeleição. O ser humano, por natureza, é dotado do instinto da sobrevivência. Acredita na vida eterna por que não admite a morte. Assim é também sua reação na preservação do poder. Fará o que puder para preserva-lo. Pior que entre nós, embora uma reeleição seja permitida, poderá o reeleito disputar outra eleição quatro anos após o fim de seu mandato. Com direito a nova reeleição. Será uma interminável e “democrática” ditadura, mantida obviamente com muita corrupção.”
Cezar Britto, ex-presidente da OAB Nacional e da OAB de Sergipe“A reeleição começou errada e errada continuou. Fruto de confessada compra de votos de parlamentares, a reeleição para o chefe do Poder Executivo legalizou o abuso da máquina estatal em uso próprio, quebrando a fundamental paridade de armas e de oportunidades na disputa eleitoral. O poder do governante tende a governar o poder eleitoral, desgovernando a democracia”.
Ophir Cavalcante – ex-presidente da OAB Nacional e OAB do Pará:
” Sou favorável ao fim da reeleição sim, que deve vir acompanhada de um mandato por 5 anos. A reeleição tem se demonstrado anti republicana, pois os Chefe dos Executivos, ultrapassam todos os limites para continuar no Poder, o que tem causado sérios desvios na condução da coisa pública.”
Sergio Batalha, advogado no Rio de Janeiro:
“Acho que o instituto da reeleição é da natureza do presidencialismo, busca uma continuidade de gestão alcançada normalmente no parlamentarismo. Tem obviamente pontos negativos, como um certo favorecimento do político que busca a reeleição, beneficiado pela fixação de seu nome ao longo do mandato. Mas não gosto de mudanças frequentes no sistema para tentar consertar problemas políticos. Se temos maus políticos, só a conscientização política do eleitor vai melhorar nossos governantes.”
Luiz Roberto Magalhães, advogado em Brasília
“Sou a favor da reeleição no Poder Executivo. Trata-se de um aval dado pelos eleitores àqueles governantes que fizeram uma boa gestão no primeiro mandato e que merecem continuar a administrar por mais um período, de forma a poderem concluir ou aprimorar projetos em curso. É positivo. Quanto ao Legislativo, não vejo a mesma necessidade de continuidade administrativanas Presidências das Casas, até porquê existe a desvantagem de indivíduos ou grupos poderem se tornarmuito poderosos, sem a positiva alternância.”
Flávio Pansieri, vice-presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB Nacional e ex-presidente da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst):
” Quanto às reeleição, o expediente pode permitir a continuidade de um governo que esteja indo bem. Todavia, no Brasil a reeleição não tem se mostrado um instrumento dos mais adequados para o fortalecimento das nossas instituições porque vem gerando alguns fisiologismos que me parecem inadequados. Afirmo que, no caso do tema vier a ser debatido na Câmara, considero providencial que ela não tenha validade, esta PEC, para os mandatos em andamento. As regras estão postas e somente poderão sofrer alterações para os próximos Presidentes da República. Para o atual, para os governadores com mandato , prefeitos a regra, se aprovada, não pode valer. Isso facilit a o debate. Quiça a alteração do tempo de mandato de quatro para cinco anos, daria um melhor tempo para as engrenagens funcionarem . Considero pouquíssimo quatro anos para implementar um projeto de Estado. Conclusão: o fim das reeleições tem que vir acoplado com a modificação do tempo de duração dos mandatos eletivos.
Ernani Buchmann, advogado, jornalista, escritor e presidente da Academia Paranaense de Letras:
” O argumento a favor da releição centraliza-se na reclamação de que um mandato da quatro anos é pouco para o administrador público executar as obras a que se propõe. Ora, esse é um problema que se resolve com legislação que exija cursos obrigatórios de gestão pública e a exigência aos eleitos de tocarem projetos aprovados a qualquer tempo pela própria população, não pelos seus antecessores. Se não der tempo para implantar uma ideia nova, seu sucessor terá a incumbência de fazer. Outra questão é o fato de que a reeleição, como provado do país neste 22 anos em que ela vigora, não tem dado resultados. Com exceções, os segundos mandatos são menos eficientes do que os primeiros. A reeleição também invade o princíp io da pa ridade de armas, que deve ser respeitado em toda democracia. Por último, a reeleição como aprovada no Congresso, mediante mudança na Constituição Federal, foi cercada de escândalos, gerando vício de origem. Considero que o projeto merece ser discutido de forma séria”.
Sergio Mauricio da Costa Palazzo, 71 anos, Diplomata aposentado:
“Estou inteiramente de acordo com a medida proposta. Creio mesmo que a inelegibilidade deveria estender-se aos filhos do eleito, de modo a evitar esses currais eleitorais que ainda persistem no Brasil, em particular, no Norte/Nordeste”.
Luiza Damé, jornalista gaúcha, atua há vários anos em Brasília na cobertura política pelos jornais O Globo e Folha de S.Paulo:
” Quando a reeleição para o Executivo, patrocinada pelo PSDB e pelo PFL (hoje DEM), foi aprovada, a sociedade pagou um alto custo, até hoje não apurado por quem de direito, mas apenas denunciado pela imprensa. Não esqueçamos da compra de votos revelada pela Folha de S.Paulo. Depois que arcamos com esse custo, não vejo motivos para acabar com a reeleição. Creio que os bons governantes têm o direito de tentar a reeleição, se submetendo à vontade popular. O poder de reeleger ou não um governante é da sociedade. Acabar com a reeleição não significa que melhores governantes chegarão ao poder. O que precisa, na minha opinião, é o aprimoramento da fiscalização do processo eleitoral e o endurecimento das penas para abuso de poder econômico, político e religioso e uso da má quina p& uacute;blica”.
Felipe Recondo, jornalista especializado em Judiciário e diretor do site Jota:
“Primeiro ponto interessante foi propor a alteração apenas para 2026, o que tira a proposta de uma disputa política de curtíssimo prazo. Em segundo, interessante lembrar o momento e contexto de aprovação da emenda que permitiu a reeleição. E, mais interessante, o aprendizado de lá para cá. Um bom momento para fazer um acerto de contas e concluir se a proposta foi positiva ou negativa. Vamos ao voto.
Tarcisio Cavalcanti, veterano e brilhante jornalista do Rio Grande do Norte que trabalhou no Diário de Natal, Tribuna do Norte, Correio Braziliense e Serviço Internacional da Rádio Nacional:
“Considero fundamental o fim da reeleição, especialmente, nos municípios. Prefeitos candidatos à reeleiçao, com raríssimas exceções, comprometem as finanças públicas e jogam a conta para o futuro. No meu município ( São Gonçalo do Amarante -RN), em pleno ano de reeleição, agora, 2020, o Senado autorizou a Prefeitura a obter um empréstimo de 34 milhões de dólares, para ser pago em 20 anos. Ou seja, compromete as 4 próximas administrações. Prá mim, além do aspecto escandaloso que macula a iniciativa, me parece uma medida altamente prejudicial ao município e às futuras administrações.”
Renato da Cunha Valle, o “Aranha Negra”, ex-goleiro da Seleção Brasileira, Flamengo, Fluminense e Atlético Mineiro:
“Paulo Guedes está certo. Acho muito pouco acabar só com reeleição no Executivo. Tem que acabar com essa”carreira política”. Limitar mandatos, limitar candidatos por família,cortar inúmeros penduricalhos, diminuir número de parlamentares, assessores, cargos comissionados Ninguém tem coragem de propor, porque ele mesmo sabe que não vai ter apoio dos demais.”
José Roberto Lopes Padilha, o Zé Roberto, jornalista e ex-ponta-esquerda do Fluminense, Flamengo e Santa Cruz (PE):
“O mandato de um político deveria caber em um carro, doado pela população, a um motorista, com a missão de, durante quatro anos, conduzi-la por caminhos melhores e mais seguros.
O problema é que muitos motoristas se deliciam ao volante, se apaixonam pelo carro/cargo, e buscam permanecer em seu interior já não mais como missão. Como profissão. Já de posse do conhecimento das marchas, poucas vezes vai à frente em um projeto social, e muitas vezes passamarcha ré colocando parentes e amigos em confortáveis bancos. Da máquina 1.0 16 válvulas que lhe foi concedida temporariamente, passa a usar a poderosa máquina administrativa a seu favor quantos mandatos puder alcançar. Empossando pessoas partidárias no lugar de prestigiar concursados, que já fazem parte e conhecem suas funções, para não tirar as mãos do volante. E se reeleger. Quatro anos parece pouco, mas na política é muito. Tempo suficiente para cuidar dos outros e pensar menos em si mesmo e nos seus que tem sido obrigado a carregar para dentro do serviço público. Porque depois que amigos e parentes vão se ajeitando nos bancos do Saaetri, afilhados políticos encaixados na Codetri, apoiadores de palanque se mostram invisíveis até sair o pagamento numa repartição de multas e penalizações. Nesse dia aparecem de corpo inteiro. Quando você dá por si, já compraram, sem licitação, uma Van. Porque Roberto Freire ficou vinte anos como Deputado Federal por Pernambuco e mais quatro anos por São Paulo. No começo, só lhe confiaram um carro de boi. Veio a charrete, a Kombi, compraram um micro-ônibus e depois só um Jumbo da Pan Am para abrigar os que amparava mandato afora. Roberto Freire, como tantos, se tornou um profissional da política. Por mais puro que entre, vai ter que se sujeitar a seguir a estrada pavimentada pelas decisões das suas lideranças partidárias. Muitas delas na contra mão dos anseios do reduto eleitoral que lhe concedeu a carteira de motorista. E eles, os reeleitos, nunca mais encontram o caminho em que o seu povo lhe confiou um dia para alcançar dignidade. E justiça social. Se perdem pela própria ambição.”