Direito Global
Sem a toga

Música a bordo

Era uma viagem de mais de 40 horas. Do Galeão, no Rio, até Pequim, na China. Mas, desceríamos em Tóquio, no Japão. A Varig só nos levaria até ali. O restante do trecho seria por uma empresa chinesa.
A primeira pernada em nossa rota seria até Los Angeles, onde desceríamos numa escala de mais de cinco horas. O Boeing 747, que chamávamos de “Jumbão”, repleto de japoneses a bordo, ainda na pista, aguardava para a decolagem.
Foi quando Irineu Tamanini – velho companheiro de longas jornadas mundo a fora – lembrou que uma viagem tão demorada tinha de ter alguma diversão.
“Vamos sacanear esses japoneses”, me disse colocando os fones no ouvido e eu fazendo o mesmo.
Estávamos bem na frente. Nas primeiras fileiras, no corredor. Um de cada lado. Com os fones mudos nos ouvidos começamos a balançar a cabeça, estalar os dedos em movimentos musicados mexendo com os ombros.
Disfarçadamente olhávamos para trás e víamos que estávamos sendo atentamente observados pelos demais passageiros. Aí é que gingávamos à vontade e até balbuciando algo ininteligível.
A japonesada nos olhava e começava a colocar os fones nos ouvidos. Eles apertavam os botões, mudavam de canal, alteravam o volume e nada. Alguns até davam uns safanões no braço da poltrona tentando sintonizar a recepção.
Passamos de observados para apontados. E foi aí que começou a chiação. Os botões sobre as poltronas chamando comissários foram acionados em quase todas as fileiras. A questão era: por que só o som dos passageiros das duas fileiras da frente estava funcionando?
Não demorou para que parte da tripulação viesse nos questionar:
“O som de vocês está funcionando?” Indagou uma bonita comissária entre sorridente e intrigada.
“Sim”, foi a curta resposta tirando apenas um dos fones do ouvido e prosseguindo em sacolejos.
“Posso checar?” Insistiu ela.
“De jeito nenhum! Tô curtindo “Sing, Sing, Sing” , com o genial Gene Krupa e quando terminar eu deixo”.
Foi a resposta enquanto ela tentava convencer Tamanini a lhe emprestar seus fones de ouvido. Outra negativa. E continuamos o remelexo.
Ante nossa recusa ela e os outros dois comissários foram até a cabine do comandante voltando em seguida.
“O comandante disse que não está ligado o sistema de som ainda”.
“Tá funcionando sim” , dissemos e lhe passamos o fone bem na hora em que o sistema geral da aeronave anunciava:
”Atenção tripulação, preparar para a decolagem” .
O Jumbão começou a correr na pista e ela, num sorriso maroto, balbuciou:
“Vocês são dois sacanas, mas engraçados”.

(O texto acima é do incorrigível Emerson Sousa, jornalista baiano de primeira linha)