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Convocado por Romário

O ministro Alexandre Agra Belmonte, do TST, que concedeu o habeas corpus para o ex-jogador do Fluminense Gustavo Scarpa voltar a jogar pelo Palmeiras, participou, em junho de 2015, de audiência pública da Comissão de Educação, Cultura e Esporte, a convite do seu presidente, Senador Romário.

O SR. ALEXANDRE AGRA BELMONTE – Presidente, muito obrigado. Agradeço o convite. Saúdo V. Exª e, com isso, também, na sua pessoa, os demais Senadores presentes. Saúdo o Senador Romário, por quem tenho grande admiração, não só como ex-jogador, por tudo o que fez pelo Brasil, mas também pela importante função agora desempenhada, e saúdo os demais componentes da Mesa e o público presente.
A questão da dispensa do atleta por justa causa e, consequentemente, a cláusula indenizatória desportiva, que é exatamente o que é proposto, é uma questão que já vem me preocupando há algum tempo e que já foi objeto, inclusive, de artigos meus relacionados ao assunto.
O atleta, em relação ao contrato especial de trabalho desportivo, tem deveres. Alguns decorrem diretamente da CLT, que são o de obediência, que é resultado da subordinação para o cumprimento das diretrizes gerais e ordens específicas, o de diligência, para o cumprimento das tarefas com indispensável cuidado, e o de lealdade e fidelidade, direcionado à observância de conduta ética direcionada ao fiel e, quando necessário, sigiloso cumprimento das obrigações inerentes ao contrato – não vai o atleta profissional revelar as táticas do jogo –, ao respeito físico e moral da pessoa do empregador, prepostos e colegas de trabalho, e, finalmente, ao esforço e dedicação necessários a um rendimento qualitativo esperado, ou seja, compatível com as aptidões e a capacidade física e intelectual do trabalhador.
Isso é, em síntese, o que se extrai da Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT.
Além desses gerais da CLT, há os deveres específicos da Lei Pelé, que conhecemos e que são, no caso do art. 8º, tomar parte em competições dentro ou fora do País…
O § 4º, I, do artigo 28 diz que:

Art. 28. […]
§ 4º […]
I – […] [submeter-se] a concentração não poderá ser superior a três dias consecutivos por semana, desde que esteja programada qualquer partida, prova ou equivalente, amistosa ou oficial […].

Ainda que a concentração seja bastante questionada atualmente, ela consta como um dever na Lei Pelé.
Os incisos III e VI do § 4º do artigo 28 discorrem sobre cumprir a jornada de trabalho desportiva normal de 44h semanais, que podem ser distribuídas como for o mais razoável. Ou seja, não vamos pensar naquela história de 8h por dia. Não é assim. Essas 44h por semana vão ser distribuídas durante a semana. O legislador não fixou o limite de 8h por dia. E o art. 28 também dispõe sobre a disponibilidade para viagens:

Art. 35. […]
I – participar dos jogos, treinos, estágios e outras sessões preparatórias de competições com a aplicação e dedicação […];
II – preservar as condições físicas que lhes permitam participar das competições desportivas, submetendo-se aos exames médicos e tratamentos clínicos necessários à prática desportiva;
III – exercitar a atividade desportiva profissional de acordo com as regras da respectiva modalidade desportiva e as normas que regem a disciplina e a ética desportivas.

Então, essas obrigações, esses deveres são específicos da Lei Pelé em relação aos atletas profissionais.
E quais são os efeitos do descumprimento desses deveres? O direito da entidade de prática desportiva de fazer atuar o seu poder disciplinar por meio de sanções.
Objetivos do poder disciplinar: pedagógico e exemplar. Visa restabelecer a correta execução do contrato e a ordem interna, principalmente nos esportes coletivos, em que, às vezes, a conduta de um interfere na conduta dos demais colegas, dos demais atletas. Na impossibilidade, diante da natureza ou reincidência do comportamento do atleta, pode a entidade de prática desportiva dar por findo o contrato.
O que estatui a Lei Pelé sobre a despedida motivada do atleta? Prevê, no art. 28, § 5º, III, o término do contrato desportivo por falta grave do empregador, com incidência da cláusula compensatória desportiva. Então, se o empregador descumprir as obrigações do contrato, nesse caso, tem o atleta direito ao rompimento do contrato, recebendo a cláusula compensatória desportiva que for ajustada ou, se não houver esse ajuste, no limite que a lei estabelece.
Só prevê no artigo 28, I, “a” e “b” a terminação do contrato por ato do atleta, com incidência da cláusula indenizatória desportiva nos casos de transferência do atleta durante a vigência do contrato, de retorno do atleta às atividades profissionais em outra entidade de prática desportiva no prazo de até 30 meses.
E quanto à despedida do atleta por justa causa? O artigo 28, § 5º, da referida lei dispõe que a dissolução do vínculo com a entidade desportiva ocorre: com o término da vigência do contrato ou seu distrato. Então, se o contrato, que é por prazo determinado, chega ao seu fim, ou se houver entre as partes um ajuste para o rompimento do contrato, nesse caso, então, ocorre a dissolução. Ocorre com pagamento de cláusula indenizatória desportiva – sanção ao atleta –, ocorre no caso de transferência durante o contrato ou de retorno às atividades esportivas em outra entidade e com pagamento da cláusula compensatória desportiva – sanção à entidade desportiva –, por dispensa imotivada –, e resolução por inadimplemento salarial às demais hipóteses do art. 483 – exigir esforço desmedido do atleta, não cumprir outras obrigações referentes ao contrato, enfim, aquilo que a CLT estatui a respeito e que, subsidiariamente, é aplicável à Lei Pelé, a Lei nº 9.615, de 1998.
Então, o que nós verificamos é uma omissão da lei sobre a despedida por falta grave do atleta. A lei não faz qualquer referência a esse assunto.
A transferência do atleta durante a vigência do contrato trabalho e o retorno dele às atividades profissionais em outra entidade de prática desportiva no prazo de até 13 meses são as únicas hipóteses de rompimento motivado previstas. Não que a lei não preveja rompimento motivado; ela prevê nesses dois casos apenas, mas não por outro tipo de conduta do atleta.
Havendo omissão, então, da lei especial em relação às demais questões, aplica-se a CLT supletivamente, por força do art. 28, § 4º, da própria Lei Pelé. Então, a Lei Pelé diz que, toda vez que houver omissão, nós vamos nos reportar à CLT.
Incide o art. 482 da CLT na apreciação daqueles deveres dos art. 38 e 28 da Lei Pelé, a que nos referimos no início, para justificativa da atuação do poder disciplinar consistente na despedida por justa causa. Mas a aplicação subsidiária da CLT não resolve o problema, porque a CLT não prevê indenização em caso de despedida do atleta por justa causa.
Cabe indenização, então, à entidade empregadora, já que a CLT não prevê para as demais relações de trabalho? Na transferência do atleta para outra entidade é devida cláusula indenizatória desportiva. Então, a própria Lei Pelé prevê a possibilidade de indenização, de cláusula indenizatória desportiva em razão de conduta do atleta. Então, a lei especial já inova nesse assunto em relação à CLT.
A indenização é devida pela quebra do contrato, que leva ao descumprimento da obrigação de trabalhar pelo tempo ajustado – dever de fidelidade. A quebra do contrato, portanto, é hipótese de justa causa, ainda que não queiramos dar esse nome. Não há dúvida nenhuma de que é. Rompeu no meio do contrato. O que é isto senão justa causa?
Essa indenização é devida para proteger o investimento feito pela entidade de prática desportiva no atleta. Logo, as mesmas razões impõem a incidência da cláusula indenizatória também nas demais hipóteses de justa causa. Por que só nessa?
Valor da cláusula indenizatória.
Nestes casos, incide cláusula indenizatória, devida pelo atleta, no valor pactuado até o limite de duas mil vezes o salário nas hipóteses previstas na lei. Ela deve incidir também nas demais hipóteses de justa causa. Por que não?
A referida cláusula tem a natureza de cláusula penal ou pena convencionada pelas partes para indenizar… Já é uma previsão de indenização para o caso de inadimplemento de obrigações.
Quanto ao valor, embora a lei preveja só pactuação pelas partes e estabeleça esse máximo de duas mil vezes, com base no art. 413 do Código Civil, o Judiciário trabalhista, que é a quem cabe essa apreciação, pode fazer a adequação, se considerar excessivo.
A lei anterior à modificação de 2011 previa, por exemplo, que essa cláusula fosse proporcional ao tempo restante do contrato. Por que duas mil vezes se só falta um ano para terminar o contrato? Então, nada impede que esse valor de duas mil vezes possa ser reajustado pelo Poder Judiciário de forma a adequar o contrato e não tornar essa obrigação excessivamente onerosa para o atleta.
Na prática, despede-se por justa causa? É a primeira pergunta que a gente vai fazer, porque nós estamos aqui pensando na hipótese da justa causa em relação ao atleta e, mais ainda, na eventual indenização. Então, despede-se por justa causa?
Os casos André Luís e Renato Silva. Em dezembro de 2011, o Fluminense despediu por justa causa o zagueiro André Luís por comportamento desidioso, ofensa ao dever de diligência. A alegação foi de que o jogador faltou mais de 20 vezes sem apresentar justificativa para as ausências.
Em 2007, o clube despediu por justa causa o zagueiro Renato Silva por ter sido pego no exame antidoping. E, em 2014, o Figueirense despediu por justa causa o jogador França, que sofreu acidente de automóvel, em junho, após sair de uma festa numa madrugada, o que não tem problema nenhum. Mas, apesar dos esforços do clube, o jogador não se submeteu ao tratamento de recuperação proposto, o que levou, então, o clube, sem alternativa, a despedir o jogador por justa causa.
Sassá, o zagueiro, foi despedido por justa causa em virtude de agressão ao árbitro Maurício Antônio Fioretti. A diretoria do Galo considerou ato de indisciplina imperdoável.
O jogador Adriano foi despedido do Corinthians por justa causa. Eu não estou dizendo que o clube tinha razão, não; estou dizendo que aconteceu o fato, estou relatando o fato. Alegações: 67 faltas, embriaguez e falta de submissão e empenho adequado nos treinamentos. Então, desídio e embriaguez.
O Adriano disputou apenas oito partidas e marcou dois gols. No período, acumulou faltas a treinos e foi multado duas vezes. As partes fizeram acordo em juízo.
O Flamengo enfrentou problemas semelhantes com o jogador e o despediu, igualmente, por justa causa. Depois de 76 dias em regime de treinamento no Flamengo, em que faltou a cinco compromissos, não conseguiu sequer baixar o seu peso da marca dos 100kg.
Em agosto de 2009, o jogador Douglas Silva foi despedido por justa causa pelo Coritiba, entre outros motivos porque, alegando problemas pessoais, abandonou o treinamento de preparação para a partida contra o Santo André pelo Campeonato Brasileiro. Ele já havia recebido cerca de três advertências por escrito por outros acontecimentos de ordem interna.
A que conclusão se chega? Que se despede por justa causa no futebol brasileiro e que, nesses casos, aplicar a CLT corresponde ao clube simplesmente perder o investimento feito no atleta.
O Projeto de Lei nº 109, sobre o que estamos tratando aqui, nesta audiência pública, de forma bastante democrática – e parabenizo a Comissão por realizá-la –, inclui, no art. 28, alínea “c”, o pagamento de indenização, pelo atleta a entidade de prática desportiva, em caso de despedida motivada do atleta, de valor correspondente àquela a que teria direito em caso de rescisão indireta do contrato. Se fosse deixar como está hoje, seria o limite de duas mil vezes o valor do salário. Neste caso, diante do que está sendo proposto, ficaria no limite de 400 vezes, se não me engano, o que não impede de a Justiça do Trabalho, no exame do caso concreto, verificando a situação, até fazer a redução, realizar a redução desse valor, adequando-o às circunstâncias do caso concreto, de acordo com art. 413 do Código Civil. Nada impede que a Justiça do Trabalho entenda que é pelo máximo realmente, mas pode fazer a devida adequação. Também inclui, no §5º do art. 28, inciso VI, a previsão do rompimento do contrato por despedida motivada do atleta e, no art. 28, §11, a previsão, como hipótese de despedida por justa causa, além das previstas na CLT, de eliminação do atleta imposta pela entidade de direção desportiva máxima nacional ou internacional.
O meu colega de mesa Pedro Fida faz até a observação de que o termo eliminação talvez não seja o termo mais adequado. A sugestão é apenas a título de observação. Conversávamos a respeito do assunto, e ele propôs o banimento. Eu disse a ele que o termo desfiliação talvez ficasse mais apropriado. Faz-se a desfiliação, o que não impede que, no futuro, o atleta, recuperado, às vezes, até de problema de doping, possa retornar à entidade de prática desportiva.
Eliminação dá uma ideia de definitividade, assim como banimento. O uso da expressão desfiliação, que já consta do art. 48 da Lei Pelé, que fala em desvinculação do clube e desfiliação do atleta, talvez pudesse interpretar melhor a situação. Então, fica aqui aqui, a sugestão, e, certamente, o Pedro Fida vai falar sobre esse assunto de forma mais apropriada e aprofundada.
Conclusões.
O exercício do poder disciplinar pela entidade desportiva é sempre necessário à manutenção da ordem interna. Infelizmente, ainda consta do art. 48 uma grande confusão, porque ele fala em advertência, censura, multa, suspensão, desfiliação, desvinculação, e, ainda por cima, ali existe a observação de que dependeria de procedimento administrativo prévio e autorização da Justiça Desportiva. Ou seja, há uma grande confusão entre as sanções que a entidade de prática desportiva pode aplicar e as sanções que a entidade de administração do desporto, às vezes, até através da Justiça Desportiva, pode aplicar. Então, são duas situações absolutamente distintas. Embora as sanções ali sejam trazidas de forma genérica, existem algumas sanções que não podem ser aplicadas pela entidade de prática desportiva, como, por exemplo, desvinculação e desfiliação. Ela pode até cumprir a ordem, mas, evidentemente, não pode aplicar.
Por outro lado, a observação no art. 48 de que tem que submeter a prévio procedimento administrativo e decisão da Justiça Desportiva não cabe em relação ao relacionamento com o atleta. Ou seja, isso é atinente àquelas situações da entidade de administração do desporto e, às vezes, até às situações de aplicação de sanções à própria entidade de prática desportiva. Então, nesses casos, sim, vai haver procedimento administrativo prévio e vai haver condicionamento à decisão da Justiça Desportiva. Evidentemente, no relacionamento entre o atleta e o clube, não precisa o clube pedir autorização à Justiça Desportiva ou realizar procedimento prévio interno para aplicar multa para advertir o atleta, para censurá-lo, etc. Esse termo “censura” até não é o termo mais interessante, não, porque censura dá a ideia de que se tem que fechar a boca. Não é isso, é advertência. É censura apenas no sentido de ser escrita e advertência no sentido de ser verbal.
Então, o exercício do poder disciplinar é necessário à manutenção da ordem interna. Ele é informal, prévio ao procedimento administrativo e exigível apenas para as entidades de administração e para os julgamentos perante a Justiça Desportiva.
São cabíveis a título de sanção, advertência, censura, multa e despedida por justa causa.
Há necessidade de regulamentação adequada das sanções disciplinares que a entidade de prática pode impor. Como acabei de dizer, é preciso regulamentar de forma adequada o art. 48, o que não é o objetivo aqui; o objetivo aqui é tão somente fazer as modificações nos arts. 25 e 28, se não me engano.
O projeto de lei que está sendo apresentado agora esclarece sobre a possibilidade de despedida por justa causa e regula o valor da cláusula indenizatória devida à entidade empregadora. E não apenas regula, como até limita. A jurisprudência, em alguns casos, tem imposto essa indenização até no valor máximo.
O estabelecimento do valor, ao contrário do que se pode supor, não tem nada a ver com retrocesso social. Pelo contrário, ele vai tornar o atleta mais cuidadoso e responsável pelos seus atos a partir do momento em que ele souber que é possível ele pagar uma indenização ao clube pelo seu comportamento, desde que devidamente comprovado judicialmente, e permitirá à entidade empregadora ser ressarcida da perda do investimento. Do jeito que está agora, aplica-se a CLT e não há qualquer ressarcimento ou qualquer exigência de responsabilidade do atleta em relação à entidade de prática desportiva. E aí fica por conta da personalidade do próprio atleta, por conta da conduta que o atleta acha que deve ter. E nós vimos, naqueles vários exemplos dados, que o relacionamento, por vezes, não é o mais interessante.
Eu concluo aqui, Sr. Presidente, agradecendo, mais uma vez, o convite e esperando, dessa forma, ter respondido as perguntas que me foram endereçadas.