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Privatização, não

Do ex-presidente da Ajufe, juiz federal Walter Nunes da Silva Júnior, titular da 2ª Vara Federal do Rio Grande do Norte, membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP e Corregedor do Presídio Federal de Mossoró sobre a proposta do governo de privatizar os presídios no país:

“Privatização, não.
De acordo com a Lei de Execução Penal (LEP), podem ser objeto de execução indireta apenas as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares, sendo vedada a terceirização das funções de direção, chefia e coordenação e toda e qualquer atividade que exija o exercício do poder de polícia (art. 83-B).

Conforme se observa, em verdade, a privatização em si de presídio em nosso ordenamento jurídico é inadmissível, a não ser que se altere a legislação de regência.

Preocupa saber que alguns estados possuem contratos de cogestão. A terceirização geralmente é defendida com o discurso de que o Estado tem se mostrado incapaz de cumprir essa missão. Mas a realidade dos presídios federais infirma essa assertiva, diante da boa gestão carcerária que se apresenta como a sua marca registrada. Outro argumento é de que a privatização reduziria custos, argumento que não parece minimamente razoável. Basta examinar o custo para o Estado com as experiências adotadas no Brasil em Ribeirão das Neves/MG e no Complexo Penitenciário Anísio Jobim – Compaj, em Manaus/AM.

Ainda se procura justificar a privatização como forma de colocar o preso para trabalhar, para que ele pague a sua própria custódia. Isso, porém, já existe. Em consonância com a LEP, o Estado pode reter percentual da remuneração devida ao preso, a fim de pagar parte das despesas com o recolhimento à prisão (art. 28, § 2º, e art. 29, § 1º, alínea d).

E temos boa prática nesse sentido. O Estado de Santa Catarina criou um fundo rotativo mediante lei estadual, com o intuito de gerir os recursos oriundos da exploração de mão de obra dos presos, em razão do desconto de 25% (vinte e cinco por cento) da remuneração. Só no ano de 2014, foi arrecado para o fundo R$ 7.886.902,63 (sete milhões, oitocentos e oitenta e seis mil, novecentos e dois reais e sessenta e três centavos); em 2018, aumentou para R$ 24.379.371,04 (vinte e quatro milhões, trezentos e setenta e nove mil, trezentos e setenta e um reais e quatro centavos), com previsão de que em 2019 chegaria à casa dos R$ 30.000.000,00 (trinta milhões). Observe-se o que os estados que não possuem similar programa estão perdendo, em todo os sentidos.

Em reconhecimento a essa boa prática, o DEPEN, por meio da Nota Técnica nº 28, de 6 de junho de 2019 (DEPEN, Departamento Penitenciário Nacional 2019), ademais de se comprometer, na qualidade de órgão executivo da política penitenciária nacional, a promover a divulgação e disseminação do modelo de fundo rotativo, adotado no Estado de Santa Catarina, recomendou aos demais estados a apresentação de projeto de lei estadual objetivando a criação dessa fonte de recursos, com as devidas orientações sobre o seu conteúdo e outras medidas fundamentais para a necessária governança.

O que os Estados devem fazer é atuar em sintonia com a Nota Técnica do DEPEN nº 28, de 2019, no sentido de manter parcerias com a iniciativa privada para a oferta de trabalho aos internos. Sem embargo disso, estabelecer como política de estado a obrigatoriedade de os seus órgãos administrativos realizarem a contratação de presos nos termos do art. 36, caput, da LEP, sem prejuízo de firmar convênio de cooperação com a Assembleia Legislativa, o Poder Judiciário, o Ministério Público e Municípios para que esses entes públicos recrutem presos para a realização de serviços nos termos da Lei nº 13.500, de 2017, com a reserva de vagas para os internos nas licitações.

Note-se que as participações da Assembleia Legislativa, do Poder Judiciário e do Ministério Público nesse programa de ampliação da oferta de trabalho para os prisioneiros, é uma política inteligente de retroalimentação de recursos públicos. Parte ainda que pequena da dotação orçamentária desses órgãos retornaria para os cofres do Executivo, a fim de ser investido no sistema penitenciário, mediante a retenção de percentual da remuneração devida aos presos, com destinação para o fundo rotativo”.