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Barroso e o fim da reeleição

Na primeira e exclusiva live para um veículo do Nordeste, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luis Roberto Barroso, se manifestou, em entrevista comandada pelo jornalista Magno Martins, simpatia pela tese do fim da reeleição quando perguntado sobre propostas em discussão no Congresso para unificar as eleições, esticar os atuais mandatos de quatro para cinco anos e acabar com o instrumento da reeleição.

“Há uma ideia na mesa de proibir a reeleição e aumentar o mandato para cinco anos. Acho que é uma definição válida. Tenho dúvidas sobre a necessidade da reeleição num País como o Brasil. O que você me pergunta, seria coincidir as eleições. Essa é uma decisão política. Eu sou contra prorrogar mandato, mas não tenho simpatia por eleições gerais, pois os temas de uma eleição municipal são bem diferentes de uma eleição nacional”, afirmou.

Bastante descontraído, abordando as questões com muita franqueza e objetividade, Barroso falou de tudo: das declarações feitas num seminário internacional, de que o Brasil viveu trancos e barrancos na democracia, com dois impeachments, recessão, corrupção e até um presidente que já defendeu publicamente ditadura e tortura, e que provocaram grande repercussão, à sistemática da primeira eleição em meio à pandemia do coronavirus. Falou, também, das duas decisões mais recentes do TSE, de permitir à volta dos políticos fichas sujas e da proibição das livemícios, os chamados shows artísticos em comícios ou atos de campanha pela internet. Durante a live, o presidente do TSE ouviu uma vinheta alertando o eleitor brasileiro para não vender o voto, que este blogueiro exibe no Frente a Frente, programa de rádio para 42 emissoras no Nordeste, na voz do cantor Alcymar Monteiro. Gostou tanto que pode vir a ser objeto de uma campanha nacional. Abaixo, a integra da entrevista.

As eleições foram transferidas para 15 de novembro, com a alegação que a curva da pandemia iria cair. Mas está acontecendo o contrário. Há riscos de novo adiamento?

A pandemia continua a ser uma preocupação, mas a verdade é que embora ainda estejamos no platô, a previsão dos sanitaristas está se confirmando. Houve uma curva alta em maio, junho, julho. Em agosto, estava alto. Mas agora, no final de agosto, a curva começa a ficar descendente. Só que o número de mortos é elevado. Mas caímos de 1.200 para 800. Ainda é assustador, mas a curva diminuiu. Quando eu tomei posse, em maio, fiz uma comissão com médicos e sanitaristas e eles me disseram isso: é importante adiar por algumas semanas, pois esperamos que a curva caísse em setembro. E aí teremos algumas semanas até 15 de novembro e isso vem se confirmando. Depois do adiamento, investimos muita energia no máximo de proteção para mesários e eleitores. Você ficaria espantado se soubesse os números que estamos fazendo.

Fique a vontade para adiantar esses números…

Quando houve essa situação, eu procurei os presidentes do Senado e da Câmara e estabelecemos um diálogo institucional para estabelecer o adiamento. Em duas semanas, aprovamos a emenda. Diante da emergência, as pessoas se uniram para fazer a coisa certa. Eu fui a hospitais públicos e privados e chegamos a algumas conclusões. Vamos precisar de sete milhões de máscaras. Temos dois milhões de mesários e uma máscara tem validade por apenas quatro horas. Dois milhões de face Shields e cada mesário vai receber um frasco de álcool gel. Vamos disponibilizar para os eleitores um frasco grande na entrada e na saída. Ou seja, um milhão de litros.

A biometria permanece?

Acabamos com a biometria. O eleitor vai chegar a um metro de distância do mesário para exibir o documento. O presidente da sessão libera, ele bota e assina na saída. Vamos distribuir canetas, mas estamos recomendando que todos levem suas canetas. E claro, teremos demarcações no chão para evitar aglomerações. Agora, você sabe, pois sei que você já trabalhou no setor público, que se a gente fosse licitar tudo isso, 2022 chegaria e não iríamos contar com tudo isso por causa da burocracia.

E qual foi à saída para acelerar?

Fiz chamada pública para a iniciativa privada contribuir para a democracia. Os cofres públicos já estão direcionados para o pagamento do auxílio e demais necessidades. Além de tudo isso, tivemos que repensar o horário. A minha sugestão era fazer de 8 da manhã até 8 da noite. Mas esse horário é muito complicado em vários locais. Então, a consultoria de estatística considerou prudente aumentar em uma hora e reservar as três primeiras horas para o grupo de risco. Então, todos pediram para ser de 7h as 17h, pois a concentração acontece mais pela manhã. Nós vamos divulgar em breve todos esses detalhes, mas estamos 100%.

Houve uma sintonia entre os poderes para não prorrogar mandatos. Mas o mais seguro não seria transferir essa eleição para 2021?

O mais seguro na vida é não sair de casa. Viver envolve riscos. Prorrogar os mandatos envolve um problema constitucional. Os atuais prefeitos e vereadores foram eleitos para mandatos de quatro anos. Prorrogar iria significar dar poder a eles sem a vontade popular. Renovar os votos democráticos é uma coisa importante. Coréia, Estados Unidos e outros países vão realizar também suas eleições com pandemia.

Mas se a pandemia tivesse ocorrido num ano de eleição para renovação do Congresso, senadores e deputados não seriam mais pragmáticos para transferir o pleito para 2021?

Eu não saberia te responder, seria especulação. Mas a minha posição seria a mesma. É muito ruim, de toda forma. Eu acho que estamos fazendo o que é preciso: manter a democracia em segurança. No geral, as pessoas querem participar. Há algumas semanas, pedimos voluntários para serem mesários. E de forma impressionante, já temos mais pessoas se apresentando do que tivemos em 2016 e 2018. E para muita gente a eleição mais importante é para prefeito e não para presidente. As pessoas estão tendo mais consciência. Eu lamento que estamos vivendo uma polarização que as pessoas não consigam conversar. Importamos uma cultura errada dos Estados Unidos. Precisávamos voltar a conversar.

Recentemente, o senhor deu uma declaração que foi entendida como se o Brasil estivesse vivendo uma ditadura. Dá para explicar isso?

Foi até bom você tocar nesse assunto. Participei de um debate internacional sobre as tensões que as democracias no mundo atravessam. Fiz uma lista de turbulência pelas quais passou a democracia. E falei que se eu fosse escrever um livro, seria “Como as democracias sobrevivem”. Portanto, era uma afirmação da democracia. Mencionei impeachment de Collor e Dilma, inflação, anos de recessão, desemprego e, num evento acadêmico, achei que era próprio mencionar declarações do presidente Bolsonaro sobre essas questões democráticas. Se eu soubesse que extrapolaria, eu não teria dito.

O senhor se arrependeu?

Não me arrependi, nem pedi desculpas. O que eu falei era objetivamente verdadeiro. Mas não teria dado aquela declaração de forma pública. Mas meia hora depois estava na imprensa. Eu sou um juiz que não tem lado. Só quem sabe minha posição é a minha mulher. Juiz tem que ser de centro. Respeito todos. Eu fiquei chateado, pois minha motivação era boa e legítima.

O Brasil inteiro ficou surpreso porque o senhor sempre teve uma posição de equilíbrio, de moderação…

O problema é que num contexto, você pinça uma frase e dá destaque a ela, você dá uma importância a algo que não deveria. Só que eu não posso deixar de falar que houve uma manifestação pedindo fechamento do Congresso, pois foi um fato. Mas não era a ênfase. Se for uma questão constitucional, eu posso me manifestar. Mas eu não falo sobre fatos políticos.

Aqui temos um forrozeiro muito conhecido chamado Alcymar Monteiro e ele gravou um comercial para falar de compra de votos. Isso é um alerta, ministro. Gostaria que o senhor ouvisse.

Perfeito. Nós fizemos uma live recente com Marina Silva, Marcelo Tas e Caio Coppola de visões políticas diferentes e debatemos consciente. Essa música do Alcymar é muito boa e vamos divulgar. Temos que enfrentar isso.

Não foi um retrocesso o TSE tornar recuperar direitos políticos de fichas sujas?

Quando se é juiz, algumas escolhas trágicas nos apresentam à frente. A Lei da Ficha Limpa prevê que quem tiver sido condenado fica inelegível por oito anos. Só que isso gerava a seguinte situação: se a eleição na qual ele cometeu a ilicitude tivesse ocorrido em 4 de outubro e oito anos depois a eleição caísse em 6 de outubro, ele já estaria apto. Aí veio uma súmula que não foi feliz, para contar a data em que ele fez o ato ilícito e conta oito anos. Aí vem uma excepcionalidade que é o adiamento. Os oito anos terminaram em outubro. As eleições são em 15 de novembro. O ministro Fachin disse que a lei não previu o adiamento. Para mim, cumprir a lei é permitir que eles sejam candidatos, ainda que um de nós ache que não era a melhor justiça. As pessoas têm que entender que o direito protege até quem a gente não gosta. Acho que a gente fez a coisa certa, mas sem alegria.

Ministro, um assunto específico de Pernambuco aproveitando o gancho da soltura de Lula: o ex-deputado chamado Pedro Corrêa, preso na Lava Jato, já cumpriu 93% da sua pena e teria direito ao indulto, mas diz que cabe ao senhor decidir, porque está em suas mãos. O que o senhor pode adiantar sobre esse assunto?

Essa é uma questão que só falo nos autos. Não tem como falar publicamente. Não tem como falar de uma questão que envolve reincidência.

Eu só estou perguntando ao senhor porque fiz uma live com ele e ele disse que o caso estava nas mãos do senhor e o senhor estava adiando muito o julgamento.

Essa você vai ter que ver minha decisão nos autos. A posição do Supremo é de que o indulto envolve o pagamento da multa, mas se a pessoa for capaz de demonstrar que não tem condições, aí ninguém fica preso por dívida. Portanto, é uma questão de ser capaz de provar. Houve um caso, que não vou comentar, que o sujeito se desfaz do patrimônio, passou para os filhos e a mulher. E aí diz que não tem patrimônio. O fato é que tem que pagar. Mas há problemas de reincidência.

As eleições já estão muito restritivas e o TSE proibiu as “Livesmício”, que seriam os comícios pelas redes sociais. Não é exagero?

Essa matéria está posta no Supremo. Acho que a legislação é restritiva em muitas situações. O legislador quis baratear o custo dessa eleição. A motivação dessa lei que proibiu comícios era evitar abuso de poder econômico. Havia lugares que não se tinha merenda, mas o prefeito fazia Showmício com artistas de renome. Mas eu lhe digo que quando votei quis discutir no Supremo. No caso de Showmício não pago eu estaria aberto a discutir a possibilidade de ser legitimado. Se o artista não for pago, quiser de forma gratuita fazer um show em apoio, eu não vejo problema.

Já que não há a possibilidade de fazer convenções presenciais, as convenções online poderão ser transmitidas ao vivo do local?

As convenções serão virtuais. E eu não vejo problema que ela seja transmitida ao vivo pelo Youtube, por exemplo. É minha opinião, não é decisão judicial.

As carreatas e motocadas poderão ocorrer?

Carreata é proibida por si só. O restante será definido por regras municipais. Quem determina que tipo de movimentação possa haver são os municípios. Houve um decreto no Ceará que dizia que poderia haver evento com 100 pessoas. Portanto, não é o TSE que define isso.

Carros de som foram abolidos. Só em eventos. Haverá possibilidade nessa eleição, já que os encontros estão proibidos?

Nós vamos ter que consultar isso.

Qual vai ser o valor dos gastos oficiais que o TSE vai ter nessa eleição?

Eu não estou com os números fechados, mas estimaria algo em torno de R$ 2 bilhões.

Qual a opinião do senhor sobre a tese da unificação das eleições?

Acho que há duas questões aí. Uma é a da reeleição para casos do executivo. Há uma ideia na mesa de proibir a reeleição e aumentar o mandato para cinco anos. Acho que é uma definição válida. Tenho dúvidas sobre a necessidade da reeleição num País como o Brasil. O que você me pergunta, seria coincidir as eleições. Essa é uma decisão política. Eu sou contra prorrogar mandato, mas não tem simpatia, pois os temas de uma eleição municipal são bem diferentes de uma eleição nacional.