O artigo “Mangabeira: símbolo de Sergipe”é de autoria do ex-presidente da OAB de Sergipe (OAB-SE), Henri Clay Andrade:
Do litoral sul até a foz do Rio São Francisco, no litoral norte do Estado de Sergipe, há uma forte e tradicional atividade extrativista desenvolvida nesses territórios pela população catadora de mangaba, que realiza o cultivo e a comercialização dessa fruta tropical.
Além de Sergipe, também há o cultivo da mangaba na Bahia e no norte de Minas Gerais, sendo Sergipe o responsável por 90% da produção brasileira, destacando-se como o segundo maior produtor dessa fruta no mundo, em virtude da prática do extrativismo.
Os notáveis desempenhos econômicos, a tradição cultural e a importância social do extrativismo da mangaba fizeram da árvore-mangabeira o símbolo de Sergipe.
As comunidades catadoras de mangaba vivem em áreas de restinga e nos tabuleiros costeiros presentes em 15 dos 75 municípios de Sergipe. São pessoas descendentes de quilombolas, caiçaras e sitiantes que se dedicam ao extrativismo da mangaba como meio de subsistência.
As catadoras de mangaba dos municípios de Aracaju, Barra dos Coqueiros, Pirambu, Japaratuba, Estância e Indiaroba estão organizadas em associações que atuam como instrumento de defesa e de promoção da cata, do processamento e da comercialização da mangaba como fonte de renda e garantia de segurança alimentar e nutricional para essas comunidades.
Em 2010, a Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe promulgou a lei 288, que reconhece as catadoras de mangaba como comunidade tradicional e o seu direito à posse das terras nas quais são cultivadas as mangabeiras. Portanto, o Estado de Sergipe tem o dever de proteger as suas formas peculiares de organização social e de preservar os seus territórios e recursos naturais.
As comunidades catadoras de mangaba desempenham atividades voltadas para a utilização sustentável dos recursos da biodiversidade, cujo extrativismo, pelos modos tradicionais, é um bem integrante do patrimônio cultural imaterial brasileiro, nos termos do que prevê o artigo 216, II, da constituição federal.
No entanto, ao longo dos anos a espécie mangabeira vem sofrendo considerável degradação, decorrente dos impactos causados por empreendimentos imobiliários e pelo agronegócio, principalmente pelo cultivo de eucalipto, cana-de-açúcar, milho e criação de camarão. Segundo a Embrapa, em apensas seis anos, de 2010 a 2016, houve redução de 29,6% das áreas naturais de mangabeiras.
O desmatamento desses territórios tradicionalmente ocupados e utilizados pelo extrativismo causa irreparável desequilíbrio ambiental. Por isso, é juridicamente proibida a realização de qualquer obra pública sem antes verificar o impacto de afetação das áreas extrativistas. Nenhum empreendimento pode atingir vegetação nativa nem avançar em áreas adjacentes.
Em Aracaju, 11 áreas localizadas na Zona de Expansão representam a única reserva de extrativismo de mangaba que restou na capital. Esse território é tradicionalmente ocupado por famílias que cuidam das mangabeiras, catam, processam e comercializam a mangaba. Nesse local, aproximadamente 300 pessoas sobrevivem da colheita da mangaba.
Atualmente, parte dessa área está ameaçada de extinção. Isso porque a Prefeitura de Aracaju pretende executar um projeto de construção habitacional adentrando na área extrativista. O terreno foi doado pela União ao Município de Aracaju para a efetivação do projeto habitacional, porém com a condição de garantir a preservação das áreas nas quais tradicionalmente se exercem as atividades extrativistas da mangaba.
A obra foi embargada pelo Poder Judiciário, nos autos do processo da ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal, no qual, inclusive, a OAB de Sergipe figura como amicus curie, ou seja, atua judicialmente como aliada da causa.
O projeto da construção de 1.102 casas populares é louvável e necessário. O déficit habitacional é muito grande e ainda é um dramático problema social. Entretanto, é possível e indispensável que se realize esse empreendimento sem afetar as sagradas áreas extrativistas. É possível corrigir eventual falha do projeto que preveja avanço indevido em território ocupado por comunidades tradicionais. Bastam vontade política, diálogo e bom senso.
Uma obra pública não pode ser executada a “toque de caixa e repique de sino”. É preciso sempre observar os parâmetros técnicos e legais. Segundo o MPF, a Prefeitura de Aracaju quer executar o projeto sem apresentar estudo do impacto ambiental e, sequer, a obtenção da licença prévia para a realização.
Além do mais, há óbice ainda mais complexo. É que a Prefeitura de Aracaju está proibida, por sentença judicial, de realizar qualquer construção de novos empreendimentos na Zona de Expansão, em decorrência da grave deficiência nos sistemas de macro e microdrenagem e do esgotamento sanitário na região.
O impasse precisa ser resolvido com brevidade. Centenas de famílias sem teto urgem por casas e outras centenas necessitam manter o seu território para sobreviver e preservar o extrativismo da mangaba.
Para assegurar a preservação permanente da mangabeira e evitar que ela seja constantemente ameaçada e degredada, é preciso que o Governo de Sergipe priorize a criação de reservas extrativistas em todo litoral sergipano. Afinal, a mangabeira é a nossa árvore-símbolo e, como se sabe, símbolos são intocáveis.