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Portugal: “mais cravos, menos ditadura”

«Amanhã é uma data-marco, cheia de simbolismo. Amanhã completam-se 17 500 dias sobre o dia 25 de Abril de 1974. É o dia em que Portugal vive há mais dias em liberdade do que aqueles que viveu em ditadura. E é precisamente por isso, que hoje aqui estamos a inaugurar as Comemorações dos 50 anos do 25 de Abril», afirmou o Primeiro-Ministro António Costa na sessão solene de abertura das Comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, em Lisboa.

O Primeiro-Ministro começara por referir que, antes do 25 de Abril, «foram 17 499 dias de privação da liberdade, em que vivemos a mais longa ditadura da Europa durante o século XX. 17 499 dias em que a ditadura parecia eterna e a liberdade um mero sonho, um sonho sempre adiado, mas nunca abandonado». António Costa afirmou também que «hoje e sob o signo da liberdade que tudo renova, manifestamos a nossa vontade de fazer destas Comemorações um grande momento de afirmação, de rejuvenescimento e de aperfeiçoamento da democracia portuguesa».

O Primeiro-Ministro disse que «sem perder a memória da resistência que queremos honrar, da libertação que vamos festejar, do muito que construímos e devemos celebrar, estas Comemorações terão de ser sobretudo uma passagem de testemunho para as novas gerações que continuarão e renovarão a nossa democracia na aspiração a um futuro que realize o que ainda falta realizar». «A liberdade e a democracia são sempre obras inacabadas e nunca estão imunes a ameaças», afirmou, na sessão que contou também com as intervenções do Presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, e do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

António Costa disse também que «a liberdade, com todas as suas responsabilidades e consequências, é o grande fundamento da dignidade humana. É a liberdade que nos garante o pensamento criador, a crítica independente, a diversidade plural, a convivência tolerante». «É com a liberdade que a democracia se renova, que a política se corrige, que a economia se desenvolve, que a sociedade se abre, que a cultura se cria, que a ciência progride e que a paz se constrói», afirmou.

Revolução dos Cravos

Foi o movimento que derrubou o regime salazarista em Portugal, em 1974, de forma a estabelecer as liberdades democráticas promovendo transformações sociais no país. Após o golpe militar de 1926, foi estabelecida uma ditadura no país. No ano de 1932, Antônio de Oliveira Salazar tornou-se primeiro-ministro das finanças e virtual ditador. Salazar instalou um regime inspirado no fascismo italiano. As liberdades de reunião, de organização e de expressão foram suprimidas com a Constituição de 1933.

No dia 25 de abril de 1974, explode a revolução. A senha para o início do movimento foi dada à meia-noite através de uma emissora de rádio, a senha era uma música proibida pela censura, Grândula Vila Morena, de Zeca Afonso. Os militares fizeram com que Marcelo Caetano fosse deposto, o que resultou na sua fuga para o Brasil. A presidência de Portugal foi assumida pelo general António de Spínola. A população saiu às ruas para comemorar o fim da ditadura e distribuiu cravos, a flor nacional, aos soldados rebeldes em forma de agradecimento.

O cravo vermelho tornou-se o símbolo da Revolução de Abril de 1974. Segundo pessoas que viveram àquela época, foi Celeste Caeiro, que trabalhava num restaurante na Rua Braamcamp de Lisboa, que iniciou a distribuição dos cravos vermelhos pelos populares que os ofereceram aos soldados. Estes colocaram-nos nos canos das espingardas. Por isso, chama-se ao 25 de abril de 1974 a “Revolução dos Cravos”.

Celeste Martins Caeiro nasceu em Socorro, Lisboa, no dia 2 de Maio de 1933. Em 1974, Celeste Caeiro tinha 40 anos e vivia num quarto que alugara ao Chiado. Trabalhava num restaurante do self-service chamado “Sir” no edifício Franjinhas da Rua Braamcamp em Lisboa. O restaurante, inaugurado em 25 de Abril de 1973, fazia um ano de abertura nesse dia, e a gerência planeava oferecer flores para dar às mulheres clientes e um vinho do Porto aos homens. Nesse dia, todavia, como estava acontecendo o golpe de estado, o restaurante não abriu. A gerente disse aos funcionários para voltarem para casa, e deu-lhes os cravos para levarem, já que não poderiam ser distribuídos pelas clientes. Cada um levou um molhe de cravos vermelhos e brancos que se encontravam no armazém.

Ao regressar, Celeste apanhou o metrô para o Rossio e dirigiu-se ao Chiado, onde se deparou imediatamente com os tanques dos revolucionários. Aproximando-se de um dos tanques, perguntou o que se passava, ao que um soldado lhe respondeu “Nós vamos para o Carmo para deter o Marcelo Caetano. Isto é uma revolução!”. O soldado pediu-lhe, ainda, um cigarro, mas Celeste não tinha nenhum. Celeste queria comprar qualquer coisa para comer, mas as lojas estavam todas fechadas. Assim, deu-lhes as únicas coisas que tinha para lhes dar: os molhos de cravos, dizendo “Se quiser tome, um cravo oferece-se a qualquer pessoa”. O soldado aceitou e pôs a flor no cano da espingarda. Celeste foi dando cravos aos soldados que ia encontrando, desde o Chiado até ao pé da Igreja dos Mártires.

Depois de seu gesto, Celeste passou a ser chamada de Celeste dos cravos. Mas isso não lhe trouxe fortuna ou sequer convites para estar presente em comemorações oficiais do 25 de Abril. A sua vida acabaria por ser marcada pela tragédia do incêndio do Chiado, em agosto de 1988. O seu quarto alugado ao pé dos Armazéns do Chiado foi engolido pelas chamas que paralisaram a capital do país. Teve pouco tempo para salvar os seus pertences. Celeste confessa mesmo que “perdeu tudo”, mas o que lamenta mais “são as fotografias” de toda uma vida. Celeste sobrevive atualmente com uma pensão de 370 euros numa pequena casa a poucos metros da Avenida da Liberdade, em Lisboa.

No ano 1999, a poeta Rosa Guerreiro Dias dedicou-lhe o poema Celeste em Flor.

Celeste, mulher dos cravos de Abril

Tu, mulher de palmo e meio, de voz doce e olhar brilhante

Falas hoje, sem receio, dum Abril muito importante

Foste o vaso, foste a terra, onde o craveiro aflorou

E assim floriste, a guerra, a guerra que não sangrou.

Com um molho de cravos na mão, andaste na baixa à toa

Sem saberes da revolução, que se passava em Lisboa

À rua do Carmo chegaste, viste soldados armados

Mas tu, não te atrapalhaste

Deste cravos, brancos e encarnados.

Deste, um cravo de mão em mão, dum laço que se soltou

E o tropa, com emoção, na espingarda o colocou

Com este gesto, mulher, trouxeste ao país glória

Não és uma mulher qualquer

Nem qualquer entra p’rá história.

És somente portuguesa,

uma mulher entre tantas mil

Mas, só tu és, com certeza!

Mulher dos cravos de Abril.

Autoria : Rosa Guerreiro Dias