“Eu, desde sempre, sou uma sobrevivente”. A afirmação é da advogada Regina Maria Evaristo, de 56 anos, sobrevivente de estupros, abandono e violência doméstica. Regina também sobreviveu a vontade de se jogar da Ponte Rio-Niterói, na tarde da última quinta (14/7). Contudo, apesar de tantas dores, ela dedica a vida a ajudar pessoas que passam por qualquer tipo de violência ou vulnerabilidade, mas, há anos, vive fugindo de um ex marido agressor, e não consegue ajuda da justiça.
Regina é indígena e, ainda adolescente, veio “para a cidade grande”, buscar tratamento de saúde para a mãe, que teve um acidente vascular cerebral. A mãe foi tratada e voltou pra tribo, em Minas. Regina ficou, aos 14 anos, em Bonsucesso, no Rio de Janeiro trabalhando em casa de família. Mas, o patrão da adolescente a estuprou. Ali ela entendeu que já tinha passado por isso em casa. O pai também a estuprava. Ela foi trabalhar em outra casa, depois em outra, até que sofreu mais um estupro.
A advogada viveu em situação de rua por cerca de dois anos. Mas, sem vício algum e já sabendo ler e escrever, passou a ajudar os outros moradores da região. “Eu fui muito respeitada. Na rua, até então, foi o lugar onde mais me respeitaram”, contou. Aos 17 anos policiais levaram Regina para a Delegacia. Na época, ainda existia crime de vadiagem. Porém, ao saberem da história, apresentaram a menina para uma nova família, onde ela trabalhava como empregada doméstica. Ali, ela começou a ter oportunidade de estudar. “Fiz um monte de curso técnico. Fazia unha, cabelo. Consertava as coisas. Fiz de tudo. Até que passei pra faculdade de Direito”.
Regina passou a morar na comunidade Vila dos Pinheiros. Trabalhava de dia e fazia faculdade à noite. Quanto mais se estabelecia, mais ela ajudava ao próximo. “Eu sempre ajudei todo mundo. A gente aprende isso na natureza mesmo. É preciso compartilhar, viver junto, ajudar”, contou a mulher, que tem dois filhos biológicos, um deles falecido, e 11 filhos de coração.
Ao melhorar a situação em que vivia, Regina fundou uma ONG para abrigar, apoiar e tratar mulheres vítimas de violência sexual ou doméstica, crianças e pessoas em situação vulnerável. Na pandemia, Regina cuidou de pessoas com Covid-19.
Nesse mesmo período em que a ONG era fundada, nos anos 2000, ela conheceu o ex companheiro. Contudo, a relação entre eles começou somente em 2012. Quatro anos de relacionamento e em 2016, ela não aguentava as mudanças de comportamento dele e pediu a separação. “Ele estava se formando em Direito. Mas tinha perdido o emprego e estava bebendo. Foi mais ou menos um ano. Aí eu falei que não dava mais e pedi para ele sair de casa. Ele concordou e pediu uns dias, só para passar o exame da Ordem dos Advogados. Concordei. Mas foi aí que minha vida virou um inferno”, relembrou.
Nesse período, ela sofreu a primeira agressão. Buscou ajuda e enquanto relatava o caso, ele colocou fogo na casa do casal. Ela conseguiu a primeira medida protetiva. De 2016 até hoje, ela perdeu as contas de quanta violência sofreu, de quantas medidas protetivas foram quebradas e de quantas vezes implorou por ajuda. No último dia 8 saiu mais uma medida protetiva contra o acusado. Desde então Regina dorme no carro. Dorme, não. Ela mora no carro, fugindo dele e com medo de colocar outras pessoas em risco. “Eu tenho pessoas vítimas de violência doméstica na ONG. Eu não posso ficar lá e colocar outras pessoas em risco. Não posso ir pra casa de ninguém e colocar em risco. É desesperador”.
Após receber a confirmação da nova medida protetiva, ela buscou novamente ajuda aos órgãos competentes. Não obteve, mais uma vez. Na última quinta-feira (14), Regina estava desesperada. Após a recusa de ajuda por órgãos responsáveis, ela teve a consulta com a psicóloga desmarcada. Ela começou atravessar a ponte, sem pretensão. Até que o desespero falou mais alto. “Inicialmente eu subi no carro, mas ventava muito. Aí eu subi na grade. A vida passa toda na cabeça. Será que não seria a solução? Mas não é. Eu sou sobrevivente”, contou a mulher que foi retirada pela Polícia Rodoviária Federal.
Nesta sexta-feira (15), Regina recebeu um convite para encontrar com a presidente da Comissão dos Direitos Humanos da OAB Niterói, Andréia Kraemer. “Eu não quero política, pois fazer política com a dor dos outros é fácil. Eu tô aqui, Andréia, advogada, para ajudar. Como mulher mesmo. Eu nunca sofri violência, mas a dor de uma mulher é a dor de todas nós. Eu vou ajudar como colega de profissão e mulher. Eu estou Presidente, mas a ajuda é pessoal”, destacou Andréia. Daniele Velasco, presidente da Comissão de Violência Doméstica da OAB Niterói, também esteve na reunião. Ela e Regina já possuem uma relação de ajuda mútua. ( matéria publicada no site O São Gonçalo)