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Reconhecimento de paternidade aos cem anos

Quase 100 anos de vida, seis filhos, nove netos e muita história pra contar. Dona Carmelita de Santo Antônio Chaves, de 97 anos, não tirou o sorriso do rosto desde que entrou na sala de audiências do Centro de Reconhecimento de Paternidade, em Belo Horizonte, onde veio finalizar o acordo de reconhecimento de paternidade, em uma audiência híbrida ( presencial e virtual), com os irmãos biológicos.

Acompanhada de três dos filhos e uma sobrinha, filha da irmã gêmea que também estava buscando o reconhecimento do pai de origem portuguesa na certidão, Carmelita fez questão de cumprimentar todos os presentes, sorriu muito e também arrancou muitos sorrisos dos presentes com um senso de humor contagiante e muita simpatia.

Ela mesma contou toda a história de seus quase 100 anos de vida, desde que ela e a irmã gêmea foram separadas e doadas para dois casais de compadres da mãe biológica. Registrada por uma tia da família adotiva, Carmelita disse que a certidão dela “foi muito mal feita” porque a tia, analfabeta, não conseguiu indicar quase nenhuma informação sobre as gêmeas.
Na certidão original de nascimento não constava nome do pai ou outras informações familiares, e tampouco sobrenome, que a professora Carmelita só oficializou por ocasião do casamento, quando aproveitou para acrescentar “de Santo Antônio Chaves”, do marido, já falecido.

Em março desse ano, a família decidiu buscar e confirmar as poucas informações que tinham sobre a origem de Carmelita e sua irmã gêmea, Carmélia. A “comitiva” que a acompanhava, como ela se referiu à família, partiu de Belo Horizonte, onde ela mora, para o distrito de Carrancas, na região de Campo das Vertentes, próximo a São João Del Rey, onde foi criada.

A motivação para ir atrás das origens foi de Carmelita, que se sensibilizou com o esforço dos netos e sobrinhas, que pretendem tentar a sorte em Portugal. Uma das sobrinhas, neta da irmã, Carmélia, já mora no país, e as irmãs dela pretendem reconhecimento de cidadania portuguesa para poder trabalhar legalmente na Europa.

Em Carrancas, descobriram que tinham muitos irmãos e parentes, inclusive o atual prefeito da cidade. O temor da rejeição da família biológica foi rapidamente afastado nos primeiros contatos, com o acolhimento dos irmãos ainda vivos e dos sobrinhos, que contaram que já sabiam da existência das gêmeas e sempre tiveram vontade de conhecê-las.

Desde então, iniciaram os trâmites para o reconhecimento legal das duas irmãs gêmeas. Com ajuda dos irmãos de Carrancas, descobriam que o pai reconheceu a paternidade das gêmeas perante os registros de batismo da igreja da cidade. Também um exame particular de DNA, realizado há poucos meses com material genético dos irmãos vivos, confirmou o parentesco. No decorrer do processo, há cerca de dois meses, a irmã gêmea, Carmélia, faleceu.

Na audiência de reconhecimento de paternidade, os cinco irmãos vivos de Carmelita participaram de forma online e concordaram que ela também seja reconhecida como filha paterna do português Accácio José Alves.

Como a adoção do sobrenome da família é opcional, a juíza Maria Luíza Rangel Pires, titular da Vara de Registros Públicos e coordenadora do Centro de Reconhecimento de Paternidade, indagou se ela pretendia fazer uma alteração do nome para constar o nome do pai. E assim, ela escolheu o novo formato do nome: Carmelita de Santo Antônio Alves Chaves, antepondo o sobrenome do pai português ao do marido, “porque primeiro eu fui da família de meu pai” explicou ela.

A busca que se iniciou pela iniciativa da família, apenas com intenção de identificar a ascendência portuguesa, de acordo com a juíza Maria Luiza de Andrade Rangel Pires, acabou trazendo muitas alegrias, possibilitando que Carmelita, aos quase 100 anos de idade, conhece e formasse vínculo com a nova família.

A família vai prosseguir com o processo de reconhecimento do parentesco dos filhos e netos de Carmélia, que faleceu recentemente.

D. Carmelita foi professora em Belo Horizonte, alfabetizando crianças e também lecionando Português e Matemática para o Magistério. Ela ainda foi professora no antigo Instituto de Reumatologia, onde ensinava as crianças que iriam até lá para tratamentos, onde aprendiam com ela a fazer flores e demais coisas para enfeites e decorações, na década de 70.