O artigo “A Convocação” é de autoria do jornalista José Roberto Padilha, o Zé Roberto que atuou vários anos no futebol profissional do Fluminense, Flamengo e Santa Cruz, de Recife:
Seu Carlos, aposentado, lia seu jornal logo cedo e pouco prestava atenção no noticiário apresentado em sua tevê ligada. Sua esposa, Das Dores, preparava o café na cozinha. O relógio marcava 7h00 da manhã quando ele escutou o repórter dizer: “No próximo bloco, falaremos sobre os jogadores de futebol convocados”.
Seu Carlos deu um pulo da cadeira e gritou: “Corre, Das Dores, vão falar sobre os convocados para a seleção!”
Para realizar o sonho de seu menino de ser jogador de futebol, e levá-lo a inúmeras testes clubes de futebol afora, abriram mão dos seus únicos momentos de lazer, que eram curtidos na semana que passavam todo ano em Iguabinha.
Mas agora, não. Tudo iria mudar se fossem convocados. Sentaram, deram as mãos e rezaram. E o repórter anunciou os tão aguardados nomes:
Moraes Jr, Atlético Go
Nino Paraiba. América MG
Richard, Ceará
Matheusinho, América MG
Dadá Belmonte, América MG
Vitor Mendes, Fluminense
Eduardo Bauermann, Santos
Gabriel Tota e Paulo Miranda, Juventude.
Com seu filho citado entre os convocados, entraram em euforia. Tentaram lhe parabenizar mas, não sabiam, seu celular estava bloqueado. E quando bateram à sua porta, não era do Globo Esporte. Era o Comandante Hamilton, do Datena.
Tinha algo de errado.
Aí bateram de novo a porta. Não era da CBF, era um representante da Polícia Federal.
Quando a ficha caiu, o mundo desabou.
A convocação era para os jogadores prestarem depoimentos sobre a venda de resultados. Para receber cartões amarelos, 20 mil. Vermelho, de 80 a 800 mil dependendo do adversário. E no lugar de chutar o perigo pra fora, e tocar a bola pela linha lateral, optam pela de linha fundo onde o perigo contra sua própria meta era maior. Aí vale 10 mil.
Segundo Datena, o casal, mesmo conceituados no bairro onde moravam, Vila da Penha, subúrbio do Rio, se mudaram de madrugada. Com vergonha estampada, com paradeiro desconhecido.
Certamente, por descer do elevador que os levou, na velocidade dos sonhos, da cobertura para o fundo do poço, vão precisar de ajuda psicológica para suportar tudo.
Quanto ao seu filho, bastaria uma coça. Vergonha na cara. No mínimo, afastado definitivamente do esporte.