O artigo Todos somos culpados é de autoria do jornalista José Roberto Padilha, ex-ponta-esquerda da Seleção Brasileira de Novos, do Fluminense, na época da Máquina, do Flamengo e do Santa Cruz de Recife:
“Carina Corrêa, 44 anos perdeu a filha na tragédia da boate Kiss, em 2013. De luto há 10 anos, declarou, após a anulação das condenações, que “se anulado, o processo vai abrir precedentes e qualquer um vai poder matar”. Essa senhora, e seus pais sofridos e seguidores desde doloroso processo, cujas dores são incalculáveis, estão precisando de uma religião. Urgente. Porque na tragédia da boate Kiss, todos fomos culpados.
E explico. Era presidente do Caer, em Três Rios, e no mesmo período o nosso tradicional Baile à Fantasia, programado para o sábado seguinte à tragédia, tinha passado pela vistoria do Corpo de Bombeiros. Ingressos antecipados tínhamos vendido mais de 2000. Naquela ocasião, a corporação aprovava a realização dos eventos apenas com extintores de incêndio espalhados em pontos estratégicos do clube. Repito, há 10 anos, antes da tragédia, o “nada por” não exigia as portas contra incêndio, sinalizadores de saída de emergência e a construção de uma nova cisterna, mangueiras e tubulações que levassem água para os salões.
Exigências impostas como aquele cadeado colocado após a porta ter sido arrombada. Pegou fogo lá, poderia ter pego aqui, em Santos, no Recife,em qualquer lugar. E eu, meu vice-presidente e dois componentes da Banda Mix, estariamos sumariamente condenados. Como querem Dona Carina e alguns pais.
A pergunta que faço, diante da nossa suposta condenação, é: e as autoridades que liberaram o evento no Rio Grande do Sul, os fiscais e o prefeito de Santa Maria, não foram condenados?
Ao Alessandro e Mauro, proprietários da Boate Kiss, Marcelo, vocalista da banda, e Lúcio, produtor musical, a nossa solidariedade. Vocês não queriam matar ninguém. E foram mortos afetivamente, condenados publicamente, viram suas reputações serem destruídas porque, mesmo não trazendo seus filhos de volta, o ódio, o rancor e o desejo de vingança são sinais latentes de nossas imperfeições.
E se Deus colocou seu rebanho aqui deixando exercer suas imperfeições, nunca será tarde para nos religarmos a Ele através de uma religião. Religião, do latim religare, significa nos reaproximarmos daquele que nunca deveríamos ter nos afastado.
Luz e paz nos corações de Dona Carina e de tanta gente sofrida.