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Barroso: é inevitável regulação de plataformas digitais

A regulação das plataformas digitais é inevitável e não se trata de vontade, mas, sim, de um imperativo dos novos tempos, defendeu Luís Roberto Barroso, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), ao falar com a imprensa, após fazer a palestra de encerramento do 3º Congresso Brasileiro de Internet (CBI), evento realizado pela Associação Brasileira de Internet (Abranet) em parceria com o Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS), em Brasília.

“Você precisa regulá-las do ponto de vista econômico para fazer tributação justa, por exemplo; precisa regulá-las para proteção da privacidade, para que as informações não sejam utilizadas indevidamente, e tem que regulá-las para enfrentar os comportamentos inautênticos e os conteúdos ilegítimos, a amplificação artificial da mentira, da desinformação e do discurso de ódio utilizando robôs”, explicou o ministro. Isso tudo, segundo Barroso, seria fácil de controlar por meios tecnológicos, sem entrar no conteúdo.

Quanto ao conteúdo, ele disse que se criou no Brasil e no mundo, em razão da polarização, a incapacidade de formar consenso. “É claro que tem que regular conteúdo; não pode ter pedofilia na internet; não pode ter terrorismo na internet”, destacou.

Como caminho, ele apontou que deve haver uma regulação estatal, sendo mais genérica e mais principiológica e com o mínimo de interferência estatal, mas com um arcabouço mínimo; e o restante cabendo à autorregulação das empresas editando os seus termos de uso e as as políticas daquela comunidade, inclusive, com mecanismos de moderação de conteúdo para supressão de conteúdo, redução do alcance e etiquetagem.

“As empresas têm de ter transparência, as pessoas têm que saber quais são os termos de uso. Acho que tem de ter um devido processo legal mínimo; você não pode retirar sem dar uma satisfação mínima e deve haver algum tipo de recurso. E tem de ter o que em inglês se chama fairness, que, em português, eu traduziria como razoabilidade, igualdade, que não poder discriminar em razão da raça, da orientação sexual, qualquer discriminação”, apontou.

Assim, a sugestão do ministro Barroso é que haja uma regulação estatal limitada e uma autorregulação seguindo parâmetros, além da criação de um órgão externo independente e não governamental para monitorar as redes e ver se elas estão cumprindo tanto a regulação estatal, quanto os termos de uso das plataformas, fazendo recomendações, críticas e, eventualmente, aplicando sanções

À imprensa, ele defendeu que esse órgão siga na linha do multissetorial Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), o qual ele classificou como bem-sucedido. Questionado se o Judiciário deveria constar da entidade, Barroso disse ter certa dúvida do Judiciário como instituição participar desses eventos. “Acho que o Judiciário tem que ser a instância recursal e, portanto, se o órgão de monitoramento tomar uma decisão que se queira questionar, o Judiciário tem que ser o árbitro imparcial para saber se a decisão foi justa ou não”, justificou.

O ministro do STF enfatizou que vê como justa a regra geral do Marco Civil da Internet sobre que a retirada de conteúdo deve precedida de ordem judicial, mas ponderou que, desde a elaboração do MCI até hoje, o mundo mudou muito e o papel das plataformas digitais também e que, por isso, se possam abrir algumas pouquíssimas exceções à regra geral.

Como exemplos, citou que, no caso de crimes, não tem que esperar ordem judicial e, em caso de clara violação de Direito, havendo a notificação privada já deve retirar. “São ideias que estão postas do debate e que me parecem boas.” Segundo ele, a regra de retirar conteúdo após notificação judicial é uma “regra boa” e hoje é cabível o debate de quais exceções devem ser abertas.

Questionado sobre a Anatel fazendo esse papel, foi taxativo: “Eu, pessoalmente, preferia que fosse um órgão não governamental a fazer o monitoramento. A liberdade de expressão no Brasil tem um histórico muito acidentado para a gente querer excessiva intervenção governamental em monitoramento de conteúdos. Eu prefiro um organismo em que haja representante governamental, haja representante da plataforma, haja representante das universidades e as representações da sociedade civil”, disse.

Falando sobre regulação de inteligência artificial, Barroso defendeu que haja uma regulação estatal, doméstica, e também algum tipo de acordo internacional. O ministro elogiou o anteprojeto que foi elaborado por uma comissão presidida pelo ministro do Tribunal de Justiça Ricardo Villas Bôas Cueva e teve como relatora Laura Schertel, mas admitiu que é muito difícil regular a inteligência artificial.

“A gente ainda não sabe bem o que está vindo; a transformação nessa matéria é muito rápida. É um anteprojeto basicamente principiológico, com diretrizes do que pode não pode. É uma matéria em que estamos todos aprendendo e estamos todos temerosos, porque ela oferece potencialidades extraordinárias para a condição humana, mas oferece riscos muito grandes de massificação da desinformação, a discriminação algoritmica, a singularidade que são os computadores de quem sabe desenvolverem algum dia consciência e eles é que vão dominar o mundo. Tem muita coisa que oferece riscos e que o Direito, de alguma forma, quer regular. Ao mesmo tempo, o mundo da inovação não pode ser regulado além da conta, porque senão você inibe a inovação. Então, é acertar a dose.”