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Um grito em defesa da Justiça Social Brasileira

O artigo “Um grito em defesa da Justiça Social Brasileira” é de autoria do advogado Luiz Gomes:

O TST-Tribunal Superior do Trabalho, consolidado como o Tribunal da Justiça Social, a mais de 20 anos vem sofrendo ataques e resistindo todas as pressões. Em ato de resistência neste dia 28 de fevereiro, mobilizando todos Juristas, Advogados, Professores, Juízes, Desembargadores e Ministros, todos Juslaboralistas e a sociedade civil pelo CFOAB, ANAMATRA, ABRAT, MPT, Centrais e sindicatos de todo Brasil. A competência da Justiça do Trabalho e sua essencial finalidade não podem ficarem submergidas aos interesses econômicos e políticos, em detrimento de toda cidadania, dignidade humana e valorização social do trabalho.

Importante lembrar que ao longo da história, o ser humano tem buscado arduamente equilibrar suas relações com os demais seres humanos, motivo pelo qual foram se estabelecendo critérios norteadores das regras de comportamento.  Alguns valores humanos ocidentais foram herdados de filósofos da antiga Grécia, tal como Aristóteles e Platão e dos juristas romanos, sendo que a justiça é um desses respectivos valores. Os filósofos deram ao termo justiça o sentido ético e formal, enquanto os romanos forneceram o sentido jurídico e material.

Sem dúvidas, desde 1988, com a proclamação da Carta Cidadã, os direitos sociais e direitos fundamentais consolidaram a validade e eficácia aos princípios da solidariedade e respeito aos direitos humanos, trazendo em seu preâmbulo o respeito à dignidade humana e valorização social do trabalho, como espinha dorsal e regra mártir de todo sistema jurídico brasileiro.

Destarte, inúmeras vezes se buscou proclamar o fim da Justiça do Trabalho, mas, em 2004 com a Emenda Constitucional 45, ao contrário do que queriam os liberais conservadores, fortaleceu e ampliou a força e a competência da justiça obreira para solucionar conflitos entre capital e trabalho.

Nestes últimos anos presenciamos a implementação da flexibilização e desregulamentação dos direitos sociais e o esvaziamento da CLT e, o enfraquecimento dos sindicatos. O que se pretende é um Direito do Trabalho mínimo e modificações mais profundas nos pilares da estrutura social e da ordem protetiva dos trabalhadores, e ao final tentarão mais uma vez a extinção da Justiça do Trabalho.

Depois que o Congresso Nacional aprovou da famigerada reforma trabalhista operada em 2017, o Supremo Tribunal Federal, ultrapassando as regras pétreas da Carta Constitucional, vem fazendo em seus julgamentos o que não foi possível pelo Congresso, ou seja, extinguir a Justiça do Trabalho por diminuição da competência estabelecida na CF.

Por isso, o Direito do Trabalho vive em um momento de grande transição, em um caminho de múltiplas incertezas, tantas quantas as que resultam das transformações tecnológicas, sociais, econômicas, políticas e históricas que confluem, para transformar esses períodos de dúvidas sistemáticas em aniquilamento dos direitos sociais e da justiça obreira.

Este avanço internacional do capital desumanizado, transformando pessoas em coisas, que tenho dito ser a coisificação das relações humanas e a descivilidade crescente a cada dia, a humanidade sofre.

Neste diapasão, firmar cada vez mais o compromisso com a defesa da dignidade da pessoa humana, valorização social do trabalho e a humanização das relações sociais e do trabalho, é missão inarredável para todos que buscam um mundo socialmente mais justo e fraterno. Buscando a expressão mais alta da normatividade que fundamenta a organização do poder, fazer valer o reconhecimento da superioridade e hegemonia dos princípios na pirâmide normativa da ordem constitucional dos ordenamentos jurídicos. 

Passadas estas considerações é necessário lembrar os valores e princípios que nortearam a criação da Justiça do Trabalho. O mais grave disso tudo é perceber que o Supremo, ao assumir uma postura judicial direcionada à finalidade política específica de interferir na atuação do TST e promover indiretamente uma “nova reforma trabalhista”, agora judicial, nos moldes requeridos pelo setor político e econômico.

Pela ótica de alguns dos ministros do Supremo Tribunal Federal, as decisões proferidas na esfera trabalhista de primeiro e segundo graus estariam em desconformidade com o atual entendimento sedimentado pela Corte Suprema.

Assim, o Supremo, ao recepcionar mais de 3 mil reclamações constitucionais tratando de matéria de fato sobre direito do trabalho, desce ao patamar da competência jurisdicional constitucional dos Juízos e Tribunais, de primeira ou segunda instância. Com isso está abalando as suas independências, que constitui o fundamento mais relevante de um Estado Democrático de Direito construído sobre os pilares dos Direitos Humanos e dos Direitos Sociais.

Vê-se que os magistrados que quiserem cumprir o comando estabelecido no Artigo 114 da CF88, onde está absolutamente clara a competência da justiça laboral, ficam sujeitos às pressões impróprias para qualquer juiz ou Tribunal, sob ameaças de processos disciplinares no CNJ, caso não se submetam, refletindo os interesses do poder econômico e do próprio Poder Executivo em detrimento da Carta Democrática e Cidadã.

Constata-se que há casos em que são discutidos na Justiça do Trabalho os direitos trabalhistas da clássica e típica relação de emprego, prevista nos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), Porém, é necessário ratificar que a competência da Justiça do Trabalho não está presa apenas as relações de emprego, mas também das relações de trabalho.

O artigo 114 da Constituição, que sofreu alterações com a Emenda Constitucional 45, de 2004, dispõe sobre a competência material da Justiça do Trabalho, sendo importante destacar que a Lei Maior faz referência à relação de trabalho (“lato sensu”), e não apenas à relação de emprego (“strictu sensu”) nos moldes da CLT.

Ora o STF tem cassado os julgamentos da Justiça do Trabalho, a exemplo do que ocorre nos casos envolvendo a terceirização de serviços e a contratação de profissionais liberais por meio de pessoas jurídicas, dentre outras modalidades. Assim, relevante lembrar que, diferente do que ocorre na Justiça do Trabalho, em que todo o contexto fático probatório e a realidade vivenciada entre as partes são analisadas e sopesadas pelo magistrado para que seja prolatada a decisão judicial, é lição comezinha ser vedado o reexame de fatos e de provas pela Suprema Corte.

A Justiça do Trabalho sob esta perspectiva, é competente para o julgamento de todas as formas lícitas de relações de trabalho diversas da relação de emprego. Ademais, não é novidade os diversos casos em que se constatam fraudes envolvendo terceirizações de serviços e contratação através de trabalho por pessoas jurídicas, a denominada pejotização.

É certo que na Justiça do Trabalho, para além da aplicação efetiva da legislação constitucional, infraconstitucional, tratados e demais convênios internacionais, é imprescindível cumpra seu papel social, essencialmente na busca da própria verdade real, esculpido no princípio da primazia da realidade. Como é sabido, a Suprema Corte tem a função de prezar pelo respeito e aplicação da norma constitucional, da qual é guardiã conforme regra expressa no caput do artigo 102 da Carta Magna.

Por tudo que estamos acompanhando, o Supremo Tribunal Federal, ao acatar as reclamações de matéria de fato nas relações de trabalho, se transforma em juízo de piso, ultrapassando sua competência ou perdendo a sua Suprema Missão Constitucional.

Portanto, é necessário o grito de salvaguarda para competência da Justiça do Trabalho, por respeito à Constituição Federal e contra o esvaziamento por via judicial de sua competência material e de sua função social.

Luiz Gomes – Advogado e professor, Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais, sócio fundador do Escritório L. Gomes Advogados Associados; Presidente da ESAT (Escola Superior da Advocacia Trabalhista), Vice Diretor da ABA Portugal e membro da CNDT (Comissão Nacional de Direito do Trabalho da ABA (Associação Brasileira de Advogados); foi presidente da ANATRA (Associação Norteriograndense de Advogados Trabalhistas); Diretor da ABRAT (Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas); Secretário Geral da CNDH (Comissão Nacional de Direitos Humanos do CFOAB), Membro da JUTRA (Associação Luso Brasileira de Juristas do Trabalho) e Conselheiro Federal da OAB Federal (2004/2008.