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Solitária Patrícia

Zé Roberto, ao lado de Rivelino, na época em que o Fluminense era chamado de "máquina tricolor" (Foto; Arquivo

O artigo “Solitária Patrícia” é de autoria do advogado e jornalista José Roberto Lopes Padilha, mais conhecido como Zé Roberto em virtude da sua longa carreira no mundo do futebol. Zé Roberto foi ponta-esquerda do Fluminense (época de Rivelino), Flamengo (época de Zico), Santa Cruz (Recife) e integrante da Seleção Brasileira Sub-20 em 1971, quando o Brasil sagrou-se  campeão do Torneio de Cannes. Após deixar o futebol, Zé Roberto escreveu dois livros: A dor de uma paixão e À beira de um gramado de nervos.

Solitária Patrícia

Não é difícil entender as dificuldades encontradas pela presidente do Flamengo, Patrícia Amorim, para exercer, com competência, suas funções à frente da maior nação esportiva do país. Desde os 3 anos de idade, quando deu suas primeiras braçadas no Botafogo, até 1991, quando terminou sua carreira nas piscinas do Flamengo, foram 29 anos praticando um esporte individual. Tão solitário que o churrasco de confraternização, ao final de cada ano, contava apenas com a sua presença e do seu treinador. O nadador, o fundista, o Jadel Gregório e a Maureen Maggi para superar seu tempo só precisam de sua dedicação e determinação. E quando alcançam índice e um clube para representar, do privilégio da companhia de um técnico. Patrícia Amorim, Cesar Cielo e o Djan Madruga não desenvolveram qualquer aprendizado coletivo para aprende r a lidar com sua modalidade ou entender um jogo de equipe. Até o revezamento 4×4 é cada um com o seu tempo, que, somados, podem reuni-los no pódio, jamais treinando e compartilhando táticas e estratégicas comuns. Até nas competições, quando mais de um cai na agua, colocam raias para garantir o isolamento.A presidente rubro-negra, que cresceu guiada por um cronometro, como entenderia aquela prancheta enigmática do seu atual treinador, que foi criada para entrosar 11 jogadores em prol de uma tática comum? Como alcançaria a inteligência do seu treinador anterior, Wanderley Luxemburgo, que reviu conceitos e trocou seu treino forte da manhã por uma recreação, só para ter a presença do seu ídolo maior oriundo de outra noite mal dormida e esperar o treino da tarde, após o cochilo e o almoço, para lhe dar condições mínimas de ajudar o grupo a alcançar o título carioca.

Quando defendi o Americano FC, nos anos 80, fui convidado pelo preparador Paulo Nascimento, após minha terceira cirurgia no joelho, a trocar o campo pela piscina. Lá, no parque aquático do Parque Tamandaré, passei a percorrer diariamente, aos 30 anos, 1500 metros que garantiam meu fôlego e preservaram minhas articulações para continuar exercendo minha profissão. Meus companheiros, que não me viam mais subindo montanhas e disputando coletivos com os juniores, até ensaiavam alguns gracejos, que eram abafados por 90 minutos de intensa luta que os ajudavam a levar preciosos bichos para casa. Fui nadando e me afastando dos gramados e, infelizmente, por conseqüência, me isolando dos amigos, dos churrascos, aproximando-me do individualismo que transcede o esporte e nos remete ao egoísmo cidadão. As águas frias, o silencio apenas quebrado pelas braçadas, meses após anos, foram substituindo os gritos das arquibancadas, tirando a emoção única que sequer deixava uma gota de suor num colete que nem vestíamos mais. Eu pedi ajuda a psicólogos, comprei uma bike,tenho revezado a natação com caminhadas. A Patrícia, pelo visto, não. Só assim, reclusas, isoladas, da piscina pra casa e dos jeans pro maiô, com os cabelos ainda impregnados de cloro, eu posso imaginar que alguém possa conceber que numa coletividade, especialmente a saudável e esportiva, possa emergir um delator. Um atleta que se preste a acusar um companheiro de profissão. Não, Patrícia Amorim, em meus 44 anos de futebol, como atleta, treinador, dirigente e jornalista, jamais encontrei um só deles, premiado que fosse, porque em nosso meio não tem bandido para ser entre gue. Objetivos, sim, como as vitórias, a serem buscados e recompensados. Tem até ídolos que não souberam lidar com sua idolatria, que não tiveram o privilégio de estudar para entender o seu papel social, mas seus maiores crimes foram se apaixonar por algo, ou alguém, que não tiveram referência na família para avaliar. Daí abusaram. E daí sucumbiram. Mais a emergir um Judas, um Joaquim Silvério dos Reis, um Cabo Anselmo? Em nome de uma nação, do próprio futebol, deixe, Patrícia, o Flamengo ser presidido por um ser coletivo. Um Zico, por exemplo. Que jogou, e como, com a 10 e conviveu com mais de 1000 companheiros. E volte para a solidão de uma piscina que a fará, mesmo no Master, em nome da sua irretocável carreira esportiva, novamente respeitada e reconhecida.