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O terror e a censura

Rosa Maria da Cunha integra a Comissão da Verdade (Foto: OAB-RJ)

Patrícia Nolasco, da Tribuna do Advogado (OAB-RJ)

A advogada Rosa Maria Cardoso da Cunha compõe, com mais seis integrantes, a Comissão da Verdade, cuja missão é investigar, no exíguo prazo de dois anos, as violações aos direitos humanos durante o período ditatorial. O tamanho da tarefa não a impede de manifestar a crença de que será possível demonstrar “como o terror e a censura serviram para ocultar crimes abomináveis”, e ainda, relacionando os fatos do passado com as ilegalidades do presente, recomendar reformas para impedir novos delitos.

Qual a sua expectativa em relação ao trabalho a ser realizado?

Rosa Cardoso – Considerando a dimensão da tarefa que nos foi atribuída e a experiência das comissões dos Mortos e Desaparecidos e da Anistia, às quais estamos legalmente vinculados, temos enorme trabalho a realizar. Quanto aos resultados a que podemos chegar, tendo em vista os fatos que já se encontram comprovados, e os que estão sendo apresentados à comissão, os quais ampliam nosso conhecimento sobre o quadro de violação de direitos humanos havida durante os governos militares, creio que poderemos demonstrar à sociedade brasileira o quanto a ditadura aqui imposta foi regressiva e destrutiva do ponto de vista ético e político.  Como se deterioraram padrões de civilidade existentes e como o terror e a censura serviram para ocultar crimes abomináveis, ainda hoje negados. Deveremos, por fim, relacionar a brutalidade do passado com ilegalidades do presente, entre as quais destacamos a tortura, as execuções sumárias, as prisões arbitrárias, e recomendar reformas para fazer cessar e impedir novas violações de direitos humanos.

O que foi definido na primeira reunião da comissão?

Rosa Cardoso – A comissão já se instalou no Centro Cultural do Banco do Brasil, de Brasília, onde planejará suas atividades externas, analisará documentos, discutirá parcerias para seu trabalho e coletará dados e informações. Nas reuniões dos dias 21 e 22 de maio, além de começarmos a discutir nossa infraestrutura administrativa e organizacional, realizamos um primeiro encontro com o presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, visando a acertar a cooperação, prevista na Lei nº 12.528/12, entre as duas. Neste sentido, a Comissão de Anistia disponibilizou-nos o exame e a utilização de seu acervo documental e nos encaminhou um conjunto de publicações para conhecimento e análise. Planejamos, ainda, nestas reuniões, discutir proximamente a constituição de comissões de trabalho, onde estarão envolvidas algumas atividades, que, a pedido das vítimas ou visando a proteger interessados, serão sigilosas.

O foco será o período da ditadura pós 64?

Rosa Cardoso – Na verdade, ainda não discutimos como o período anterior a 1964 será tratado, ou seja, se será apenas uma referência constitucional, se retomaremos violações de direitos havidas no período ou nele examinaremos fatos exemplares. De todo modo, pelo acervo documental que estamos recebendo e pelos casos que estão sendo remetidos à comissão, o trabalho fundamental versará sobre fatos ocorridos durante o regime ditatorial militar. Quanto à sistematização do trabalho e à metodologia, são questões que não podemos resolver nos primeiros encontros. Estamos conhecendo e recebendo o acervo das comissões que trabalharam antes da nossa, bem como atendendo à demanda de instituições, grupos ou pessoas que encaminham solicitações à comissão.

O Estado de S. Paulo publicou notícia sobre seu entendimento pessoal de que a opinião pública poderia levar o Supremo Tribunal Federal a rever sua posição acerca da Lei da Anistia.  Por favor, explique melhor.

Rosa Cardoso – Na oportunidade em que falei sobre a matéria, me referi a experiências históricas em outros países. Expressei-me com perspectiva acadêmica. Entretanto, como a questão não está na pauta da Comissão da Verdade e suscita muita polêmica, os membros da comissão decidiram não se pronunciar sobre o tema.

Com o desconforto de alguns militares quanto à sua presença na comissão, por ter sido advogada da então presa política Dilma Rousseff, a senhora teme algum embaraço às suas tarefas para a obtenção de documentos?

Rosa Cardoso – Não temo embaraço pessoal tendo em vista que qualquer demanda será feita pela comissão como um colegiado. Registre-se, contudo, que a Lei nº 12.528/2011, que criou a comissão, estabelece que é um dever dos servidores públicos e dos militares colaborar. De outra parte, não pretendo polemizar com os militares que se sentem desconfortáveis com a comissão e com a minha presença. Insisto em que, enquanto atos de terrorismo são inteiramente incompatíveis com o sistema democrático, opiniões divergentes são assimiláveis.