“Dona Elzita, pode voltar para casa tranquila. Seu filho Fernando vai voltar para casa são e salvo”. A promessa foi feita pelo general Golbery do Couto e Silva à mãe de Fernando Santa Cruz, dona Elzita Santos de Santa Cruz Oliveira, durante encontro logo após seu filho ser preso no Rio de Janeiro, em um sábado de carnaval de 1974, por agentes do DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna, órgão subordinado ao Exército, de inteligência e repressão do governo brasileiro durante o regime inaugurado com o golpe militar de 31 de março de 1964, os chamados “Anos de Chumbo”). Dona Elzita voltou para casa após ouvir de viva voz a garantia dada por Golbery. A promessa no entanto, nunca foi cumprida, e até hoje seu filho Fernando não voltou para casa. A história foi contada por dona Alzita ao neto Felipe Santa Cruz, filho de Fernando, e hoje advogado e presidente da Caixa de Assistência dos Advogados do Rio de Janeiro (Caarj).
Veja a história de Fernando Santa Cruz:
Fernando Santa Cruz era o quinto filho do médico sanitarista Lincoln Santa Cruz Oliveira e Elzita Santos de Santa Cruz Oliveira. Nascido na cidade de Olinda, desde jovem já participava do movimento estudantil secundarista. No ano de 1967, foi preso durante uma passeata em Recife contra o acordo MEC-Usaid, que moldaria o ensino brasileiro segundo os moldes norte-americanos prejudicando a qualidade do ensino nacional. Preso por uma semana no Juizado de Menores de Pernambuco, junto com o seu amigo Ramirez Maranhão do Valle, Fernando Santa Cruz experimentou a dura realidade dos menores que são marginalizados pela sociedade.
Após sair da prisão, passou a atuar mais na política, voltando sua luta para o Movimento Estudantil. Dessa forma, Fernando Santa Cruz um dos articuladores do movimento estudantil em Pernambuco, sendo um dos reestruturadores da Associação Recifense dos Estudantes Secundaristas (ARES). Nesta época foi assinado o AI-5, de forma que Fernando Santa Cruz viu-se pressionado a mudar-se de Recife não podendo mais atuar nas lutas políticas na capital pernambucana. Fernando Santa Cruz foi morar no Rio de Janeiro.
No Rio, foi aprovado no vestibular para o curso de Direito da Universidade Federal Fluminense. Na UFF, recomeçou sua luta política inicialmente por meio do diretório acadêmico do curso, e mais tarde por meio do Diretório Central dos Estudantes. Tendo casado com Ana Lúcia, em 1972 nasce o seu filho Felipe, hoje com 40 anos e advogado no Rio de Janeiro. No mesmo ano, Fernando é admitido por concurso público na Companhia de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo. Deixa o Rio e muda-se para a capital paulista.
Em 1974, Fernando junto com a sua mulher, decidem passar o carnaval na cidade do Rio de Janeiro. Nesta passagem pelo Rio, Fernando decide visitar amigos que faziam parte da resistência política contra a ditadura militar. No dia 23 de fevereiro, por volta das 16 horas, Fernando saiu da casa do seu irmão Marcelo, em Copacabana, para o encontro com os amigos naquele sábado de carnaval. A volta estava marcada para as 18 horas. Entretanto Fernando Santa Cruz nunca mais foi visto. Ninguém sabia onde Fernando estava. Entretanto quando o apartamento de um de seus amigo, Eduardo Collier, foi invadido por agentes de segurança do governo, ficou claro que Fernando havia sido levado pelos agentes do DOI-CODI-RJ.
Os familiares, amigos e advogados de Fernando apelaram a várias autoridades nacionais e internacionais como a OEA e a Anistia Internacional para obterem informação do paradeiro dele, entretanto foi em vão. Até que foi divulgado um relatório do Ministério da Marinha que constava que Fernando Santa Cruz estava desaparecido desde 23 de março daquele ano. Um ano mais tarde, a mãe de Fernando, dona Elzita, enviou uma carta ao Ministério da Justiça pedindo informações sobre o filho. Entretanto esta carta nunca foi respondida.
Após o seu desaparecimento, Fernando Santa Cruz tornou-se um ícone da luta e da resistência nos movimentos sociais e principalmente no movimento estudantil de modo que posteriormente, o Diretório Central dos Estudantes da UFF e o Diretório Acadêmico de Direito da Unicap foram batizados com o seu nome.
No segundo semestre de 2009, o governo federal lançou vários vídeos da campanha Memórias Reveladas, cujo objetivo era colher informações sobre os desaparecidos políticos brasileiros na época da ditadura para ajudar a traçar seus paradeiros. Em um desses vídeos é mostrado o depoimento de sua mãe falando sobre o desaparecimento do seu filho.