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A verdade, somente a verdade

Nascida, criada e residente na histórica cidade de Olinda, em Pernambuco, dona Elzita Santos de Santa Cruz Oliveira, de 99 anos, acompanhará hoje (17), a partir das 9h30 min, ao julgamento, na Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, do processo de seu filho, Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, desaparecido político durante a ditadura militar. O julgamento ocorrerá durante a 61ª Caravana da Anistia na sede da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro sob a condução do presidente da Comissão, Paulo Abraão. O presidente da OAB do Rio de Janeiro, Wadih Damous, fará a sustentação oral no processo em nome da família Santa Cruz.

Dona Elzita é avó de Felipe Santa Cruz, atual presidente da Caixa de Assistência dos Advogados do Rio de Janeiro, cujo pai, então com 26 anos e estudante de Direito na Universidade Federal Fluminense, foi preso e torturado por agentes do DOI-CODI em fevereiro de 1974, no Rio de Janeiro, juntamente com outros integrantes da Ação Popular Marxista-Leninista (APML). Também assistirá a Caravana da Cidadania a mãe de Felipe, Ana Santa Cruz que desde a prisão e desaparecimento do marido vem lutando junto aos governos para obter informações do que aconteceu com ele. A família sabe que foi morto pela repressão, mas seu corpo nunca foi encontrado. Seu nome foi dado ao Centro Acadêmico de Direito da Faculdade Católica de Pernambuco e da Universidade Federal Fluminense.

Para o presidente da OAB-RJ, Wadih Damous, um lutador incansável pelos direitos dos humanos dos cidadãos, principalmente daqueles que tiveram seus familiares atingidos brutalmente na ditadura, será uma honra representar a família de Fernando Santa Cruz no processo em que se pede a sua anistia.”Fernando foi mais um dos muitos jovens brasileiros que tiveram a vida ceifada pelos sicários da ditadura”. No entanto, segundo ele, a anistia não basta. “Todos queremos saber o que aconteceu com Fernando, até hoje desaparecido. Onde está enterrado e quem são os seus assassinos. São perguntas que, até que sejam respondidas, jamais calarão”.

Na expectativa do presidente da Caarj, esse será um momento histórico para a sociedade civil do Rio de Janeiro e um dia importante na reparação dos danos causados pelo arbítrio a várias famílias fluminenses. “Para mim será um dia especialmente emocionante porque, além do julgamento do processo de meu pai, sou cria da PUC. Fiz Direito nessa Universidade, presidi seu Centro Acadêmico, o Diretório Central dos Estudantes, e todos sabemos que a PUC foi um lugar emblemático na resistência contra o regime militar”, afirmou Felipe Santa Cruz. No final da década de 70, a PUC acolheu vários professores perseguidos e era considerado território livre para as reuniões dos estudantes.

Segundo Felipe Santa Cruz, com a cerimônia de hoje na PUC ele dá por encerrado este ciclo de quase 40 anos em busca de informações do que aconteceu com o seu pai e de quem era filho único. “Meus quatro filhos não vão crescer na angustia da busca. Vou aceitar um pedido de desculpas da Comissão da Anistia. “Aguardo apenas que a Comissão da Verdade confirme se efetivamente o corpo do meu pai foi incinerado em Campos e as circunstâncias dos acontecimentos possam ser esclarecidas. De resto é a historia de bravura de um jovem como tantos, uma doce lembrança ouvida pelas vozes do parentes. Não busco prisões, punições, apenas paz e verdade”.

Recentemente, o ex-delegado da Polícia Civil do Espírito Santo, Claudio Guerra, revelou em seu livro, “Memórias de uma guerra suja”, que o corpo de Fernando Santa Cruz teria sido um dos incinerados por ele em uma usina de açúcar na cidade fluminense de Campos, no ano de 1974.