A entrevista do novo corregedor nacional de justiça do CNJ, ministro Francisco Falcão foi dada à repórter Marta Salomon e publicada na edição da revista Istoé que circula a partir de hoje (15/09):
A comparação com a ex-corregedora Eliana Calmon tem sido inevitável nos primeiros dias de Francisco Falcão no cargo de xerife do Conselho Nacional de Justiça, órgão que fiscaliza a atuação de 16 mil juízes. Aos 60 anos de idade e 24 de magistratura, o pernambucano discreto armou-se de propostas polêmicas para começar o mandato de dois anos. Nesta entrevista, Falcão diz que prepara o corte dos salários de juízes que ganham mais do que os ministros do Supremo Tribunal Federal ou R$ 26,7 mil mensais. “Vamos cortar”, anuncia. Falcão também defende que todas as autoridades públicas – sejam juízes, sejam parlamentares ou integrantes do Executivo – abram dados do Imposto de Renda na internet.
Istoé – Quais as semelhanças e diferenças entre o sr. e a sua antecessora, Eliana Calmon?
Francisco Falcão – Entramos juntos no Superior Tribunal de Justiça em 1999, fomos sabatinados juntos, integramos a mesma sessão de direito público e, mais uma coincidência, moramos já há cinco ou seis anos no mesmo prédio. Tenho um estilo muito parecido com o dela em matéria de rigor. Talvez eu seja até mais rigoroso do que ela, só que procuro agir de uma forma mais discreta. Cada pessoa tem o seu temperamento. No fundo, o resultado será o mesmo. Inclusive ela me disse que tinha muita gente apostando que, quando o Falcão assumisse, as coisas iam mudar. Mas quem estiver pensando que vai haver modificação no trabalho está completamente enganado.
Istoé – Na sua posse, o sr. investiu contra o que chamou de “maçãs podres” do Judiciário. É o equivalente, no seu vocabulário, aos “bandidos de toga” a que a ministra se referia? O sr. acha que ela foi feliz na expressão, criticada por entidades de juízes?
Francisco Falcão – Eu não queria fazer esse comentário. Foi uma expressão que ela usou, e ela mesma me disse que não foi para chamar todo mundo de bandido. O que ela quis dizer é que havia maçãs podres, o mesmo que estou dizendo agora, só que eu acho que não é essa quantidade tão grande. Existe uma minoria, que espero que seja uma minoria mínima, do que eu chamo de maus juízes, de vagabundos. E essas maçãs podres é que temos de extirpar do Poder Judiciário, sob pena de prejudicar a imagem da instituição.
Istoé – Qual será o seu método para chegar aos maus juízes?
Francisco Falcão – O meu trabalho é exatamente trabalhar com as corregedorias. Onde os corregedores não punirem, nós vamos agir. E punir quem estiver errado. Inclusive o corregedor, se for o caso.
Istoé – O que exatamente o sr. chama de maçã podre?
Francisco Falcão – As notícias que correm são de que aqui e acolá, num tribunal ou em outro, é comum ter essas pessoas que se desviam do interesse público para o interesse privado. A corrupção é algo intolerável, mas há também os maus juízes, aqueles que não trabalham, que não residem na comarca. Um dos pontos da nossa administração vai ser garantir a presença do juiz no local de trabalho. Hoje você vai a uma comarca do interior da Paraíba, por exemplo. O juiz está lá terça e quarta-feira. Segunda, quinta e sexta-feiras, não tem ninguém.
Istoé – Que punição o sr. defende para esses juízes?
Francisco Falcão – Afastar do Judiciário. Há uma polêmica que envolve essa questão da aposentadoria com remuneração. Temos de assegurar ao magistrado a remuneração com base no que ele contribuiu. Não temos como aposentar e dizer que não vai receber nada. O que se faz é conceder aposentadoria proporcional ao tempo de serviço. O magistrado que tiver mais de 35 anos de serviço sai com aposentadoria integral, o que é um prêmio. Agora, eu defendo o ressarcimento ao erário, uma medida em discussão no Congresso. O juiz vendeu uma sentença, cobrou R$ 100 mil, tem de devolver isso para o Fisco. Não deve haver apenas a condenação penal e a perda do cargo, mas o ressarcimento ao erário do dano causado.
Istoé – E o sr. admite que o CNJ possa quebrar o sigilo dos investigados?
Francisco Falcão – A Constituição Federal garante a todos o sigilo fiscal, bancário e telefônico. A corregedoria não fará nenhuma quebra de sigilo sem autorização judicial. Eu, pessoalmente, defendo, a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos, que nenhuma autoridade pública tenha direito a sigilo. É um tema que mais cedo ou mais tarde vai voltar a ser discutido, e eu espero que um dia esse sigilo acabe no Brasil. Quem exercer cargo público deve ter o Imposto de Renda aberto na internet. Nós já encaminhamos as nossas declarações ao Tribunal de Contas, mas isso tem de ser aberto para qualquer cidadão.
Istoé – A que o sr. atribui a expectativa favorável da Associação dos Magistrados Brasileiros à sua atuação? A AMB chegou a ir ao Supremo contra os poderes do CNJ.
Francisco Falcão – Não sei. Sou filho de juiz. Tenho um temperamento mais ponderado. Mas não confundam ponderação com falta de rigor. Inclusive, em visita ao tribunal de São Paulo, fiz questão de dizer na frente do presidente da AMB, doutor Nelson Calandra: “Olha, não se confunda humildade e discrição com falta de rigor. Em matéria de rigor, vocês correm o risco de sentir saudade da ministra Eliana”.
Istoé – A ministra Eliana costuma dizer que ninguém chega ao STJ sem um padrinho político. Quem são os seus?
Francisco Falcão – É verdade, ninguém chega ao STJ sem padrinho, embora eu tenha sido o primeiro lugar da lista quando concorri aqui. Na época, quem me ajudou muito foi o vice-presidente Marco Maciel, pernambucano, meu primo, o então governador do Ceará, Tasso Jereissati, e o senador Antônio Carlos Magalhães. Também o governador de Pernambuco na época, Jarbas Vasconcelos. E isso é bobagem. Estou aqui já há 13 anos e nunca, nunca Marco Maciel me fez um pedido.
Istoé – E os demais?
Francisco Falcão – O ACM uma vez me pediu a preferência, quando era presidente do Congresso. Disse: “Tem um processo aí, se puder julgar isso rápido.” Só isso, o que é uma coisa natural. O processo político é inevitável. Como você vai fazer se não tiver uma pessoa na área política? É demagogia dizer que não existe isso.
Istoé – A ministra Eliana Calmon reclamou que há filhos de ministros e ministros aposentados que advogam. O sr. vê conflito de interesses?
Francisco Falcão – Há duas categorias de filhos de ministros que advogam. Eu tenho dois filhos que advogam. Uma filha com 36 e outro com 31. Recolhem Imposto de Renda, têm escritórios em São Paulo e em Brasília e advogam com procuração nos autos. Não posso impedir. Nunca aconteceu conflito de interesses, porque na turma em que eu oficiei, que é a primeira turma, eles não advogam. Na corte especial, em que eu atuava, acho que já tiveram um ou dois casos. Eles fazem a sustentação oral deles, eu me retiro do plenário. Posso falar pelos meus filhos. Pelo dos outros, eu prefiro não falar. A gente sabe que há filhos de desembargadores que tomam causas dos escritórios. Isso a OAB tem de ir em cima.
Istoé – O sr. já teve parentes trabalhando em seu gabinete.
Francisco Falcão – Em 1995 e 1996, não havia proibição legal. Isso era uma prática no Executivo, no Legislativo e no Judiciário. Todos empregavam. O presidente Fernando Henrique tinha uma filha que era secretária particular dele. Não havia proibição. E eu tinha uma irmã que trabalhava comigo. Exigia expediente e ela cumpria. E depois uma filha minha, a que é advogada até hoje, trabalhou comigo também.
Istoé – Existe uma proposta em discussão no Congresso de o CNJ passar a fiscalizar também os conselheiros e ministros de Tribunais de Contas. O sr. apoia?
Francisco Falcão – Vamos aguardar o que o Congresso vai decidir. Já temos muito trabalho. Aliás, já orientei que vamos cuidar do essencial, não vamos ficar na perfumaria. É por isso que eu digo que vou delegar um pouco aos corregedores estaduais. São 16 mil juízes e, se eu trouxer tudo para a corregedoria nacional, não vou fazer nada. Por exemplo, teve o caso aqui de Goiás, o de um juiz que foi apanhado vendendo uma sentença. É a primeira maçã podre. Já estou assinando o despacho. Parece que cobrou R$ 96 mil para dar uma sentença. Já estou mandando para a corregedora do Tribunal de Justiça de Goiás instaurar um procedimento. Vou dar um prazo de 60 dias para ela se pronunciar. Se o Tribunal não se pronunciar nesses 60 dias, aí eu vou em cima da corregedora. Quando for um caso de repercussão nacional, importante, de maior gravidade, aí eu trago para o CNJ.
Istoé – Quais as suas prioridades?
Francisco Falcão – Olhe, existe uma cidade vizinha ao Recife, chama-se Jaboatão dos Guararapes. Lá, existem mais de dois mil júris para serem realizados. O que significa isso? Mais de duas mil pessoas perderam a vida, os bandidos estão soltos e não ocorre o julgamento. Então vamos fazer um mutirão lá em Jaboatão para em pouco tempo zerar isso daí. Depois, vamos fazer em São Paulo.
Istoé – Por que Jaboatão?
Francisco Falcão – É uma cidade pequena do interior com dois mil júris. Vamos dizer que São Paulo tenha 20 mil, mas São Paulo é um país. Outra prioridade é o que chamamos de Justiça Plena. A questão é dar celeridade a processos de grande relevância, de grande interesse nacional, tipo usina de Belo Monte. O juiz vai lá, dá uma liminar, segura o processo e o país fica parado na mão de um juiz. E o que nós vamos fazer? Não vamos pedir ao juiz que vote contra nem a favor. Mas, sim, que dê celeridade. Outra prioridade é a questão dos vencimentos.
Istoé – Reajuste salarial?
Francisco Falcão – Não, o cumprimento do teto salarial. Estamos apenas esperando que o Supremo decida. Na hora em que o Supremo decidir, e acredito que o Supremo vai dizer que o que vale é o teto, ninguém poderá ganhar mais do que ministro do STF. Hoje, há desembargadores que ganham o dobro de um ministro do STF. É um absurdo. A corregedoria vai atuar. E vamos cortar na hora.
Istoé – Qual o principal desafio no mandato de dois anos?
Francisco Falcão – Tenho uma responsabilidade muito grande. Além de defender meu próprio nome, tenho de defender uma biografia, o nome do meu pai. O desafio é prestigiar o Poder Judiciário, porque as instituições ficam e a gente passa.