Direito Global
blog

Francisco Rezek

Entrevista ao direitoglobal.com.br do ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF), ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ex-integrante da Corte Internacional da Haia, Francisco Rezek. Em 1989, comandou a Justiça Eleitoral na primeira eleição presidencial após 25 anos de ditadura militar no Brasil. Atualmente, Rezek é advogado e tem escritório em São Paulo.

1 – Como experiente jurista na área eleitoral, como o senhor avalia a eleição presidencial deste ano ? A mídia social terá muito valor na campanha dos candidatos? E os financiamentos das campanhas dos candidatos?

Francisco Rezek – Não há como saber agora como será o processo eleitoral a partir do mês de setembro, quando as coisas realmente se aquecem. O cenário por ora é de orfandade do eleitorado brasileiro, pois não apareceu nada de novo, pelo menos no rol das candidaturas ao cargo de presidente da República que é o que induz o restante das candidaturas aos governos estaduais e ao Congresso Nacional. Os pré-candidatos mais jovens são o que exibem hoje o discurso mais velho, o discurso maniqueísta dos anos 60. Portanto, anterior em trinta anos à queda do Muro e ao final da Guerra Fria. Não sei se aparecerá alguma coisa nova ou se haverá uma reciclagem no discurso dos candidatos já experientes em eleições desse gênero. Tudo que me parece neste momento, no romper do mês de junho, é que não temos idéia clara de qual será o cenário da campanha na reta final.

2- Depois de tantos escândalos envolvendo políticos, o senhor acredita que o eleitor irá comparecer às urnas e escolher os seus candidatos? O índice de abstenção promete ser grande?

Francisco Rezek – Apesar da perda de credibilidade da classe política, ou até mesmo por causa do descrédito da classe política, o comparecimento às urnas este ano deve ser expressivo. O índice de abstenção talvez seja menor que aquele de 1989. Isso porque, seja para dizer o que for nas urnas, o eleitor de 2018 não parece propenso a ficar em casa enquanto a banda passa…na arena eleitoral. Creio que o comparecimento vai ser grande.

3- O pais nao tem partidos políticos em demasia?

Francisco Rezek – É notório o fato de que o Brasil tem partidos políticos em número excessivo e esses partidos em sua maioria são exíguos. É uma exiguidade de tamanho, de história, de idéias. É também em muitos casos uma exiguidade moral. O fundo partidário explica talvez a fecundidade na criação de partidos políticos. Nenhuma democracia convive com isso por muito tempo. Espantoso que até hoje não se tenha resolvido esse problema.

4- A máquina de votar da Justiça Eleitoral é confiável ?

Francisco Rezek Rezek – O voto eletrônico que se pratica no Brasil hoje é o que se pode ter de mais seguro. Todas as ideias alternativas são arcaicas, quando não totalmente tolas. A urna eletrônica provou sua segurança, sua confiabilidade e não apresentou problemas dignos de nota. Tudo quanto se ouve como resistência a essa prática de contabilização dos votos do Brasil do nosso tempo é o protesto eventual dos descontentes de sempre. Nada que deva ser levado a sério.

5- O senhor é favorável ao voto obrigatório ?

Francisco Rezek – Sei de um um grande número de opiniões respeitáveis contra o voto obrigatório, mas sempre me pareceu que ele é uma boa prática. Acho que se o voto nao fosse obrigatório no Brasil o processo eleitoral, o processo político, deixaria de ser uma questão de todos os brasileiros e passaria a ser uma questão da militância, dos ativistas políticos de carteirinha. Acredito, por exemplo, que vários países onde o voto não é obrigatório se beneficiariam grandemente se a prática fosse outra. Mesmo numa grande democracia como os Estados Unidos, acho que o cavalheiro que lá está exercendo o poder de modo tão grotesco não teria sido eleito, nao teria ganho de Hillary Clinton.

6- O senhor defende a transformação da Justiça Eleitoral em permanente ?

Francisco Rezek – Nao. Uma das marcas mais importantes e positivas da Justiça Eleitoral, uma invenção brasileira, é justamente o fato de ela não ser permanente, no sentido de que não há juízes eleitorais permanentes, nao há juízes eleitorais de carreira. Aproveitam-se as energias que juízes de outras áreas e advogados têm ainda de sobra nas horas crepusculares do dia para fazer Justiça Eleitoral. Isso é econômico e bom em todos os sentidos. Essa rotatividade da composição dos tribunais eleitorais, a partir do TSE, essa presença de magistrados de níveis variados e de advogados sempre me pareceu uma fórmula perfeita, que não deveria ser alterada.

7- O Brasil será outro a partir das próximas eleições ?

Francisco Rezek – O Brasil de hoje já é outro em relação ao seu passado. O ânimo, a opinião da sociedade sobre o Estado brasileiro, e a manifestação de vontade do povo brasileiro sobre o que ele deseja, tudo isso mudou radicalmente nos últimos tempos por conta da descoberta do abismo profundo em que estávamos mergulhados sem ver isso com clareza. Com as próximas eleições as coisas tendem a se depurar ainda mais. Esse Brasil de hoje já é outro e tem uma boa oportunidade, a partir da virada do próximo ano, de se consolidar como uma Nação digna e harmônica em um Estado limpo.

8 – Por que somente no Brasil tem Justiça Eleitoral ?

Francisco Rezek – Alguns outros países da nossa vizinhança imitaram o modelo brasileiro, mas não há dúvida de que isso é uma invenção nossa. Nos demais países, nas grandes democracias do hemisfério Norte, o processo eleitoral é regido ou por uma repartição do governo ou por um consórcio, por um pool de partidos políticos, ou por uma composição das duas coisas. Isso tem dado certo para eles, nos países mais organizados. A questão não é essa. A questão é saber se isso daria certo para nós. Imagine, no Brasil, se o processo eleitoral fosse conduzido por uma repartição do ministério da Justiça ou por um consórcio de partidos políticos. A idéia dá calafrios. Portanto, a nossa sistemática, que remonta aos anos 30 do século 20, foi algo de grande qualidade na história do direito brasileiro, das instituições brasileiras.

9- Que mudanças o senhor faria para melhorar a Justiça Eleitoral ?

Francisco Rezek – O direito eleitoral brasileiro é imperfeito. Ele é mais imperfeito do que certos outros ramos do direito e isso se deve em grande parte à sua volatilidade. Ele muda com frequência, não há como editar um livro de direito eleitoral que o leitor possa manter na sua estante por muitos anos. Essa instabilidade do direito eleitoral tem muito a ver com a instabilidade das instituições políticas e tem a ver com o fato de que o responsável pela produção desse direito é um Congresso contaminado pelo descrédito que tomou de assalto a politica no país há muitas décadas. A correção das imperfeições do direito eleitoral tem tudo, tudo a ver com a reforma política de que o pais precisa. Uma coisa não virá sem a outra.

10 – Qual a sua opinião sobre o horário gratuito eleitoral? E sobre o fundo partidário ?

Francisco Rezek – O horário gratuito é útil na medida em que permite que o candidato mostre a cara ao eleitorado. Mesmo que não disponha de muito tempo ele pode, no mínimo, remeter seu público no horário gratuito a um portal, a uma janela qualquer na mídia eletrônica onde ele exponha seu programa e cumpra o dever de expor com algum método o que pretende fazer se eleito. Por achar que o horário gratuito eleitoral é bastante para proporcionar essa apresentação do candidato ao público, eu me pergunto por que razão, ao longo de tantos anos, tanta gente precisou de tanto dinheiro para fazer campanha. Na realidade não era necessário. Isso explica os tantos escândalos que agora revelam que esse dinheiro não servia para financiar campanhas, mas para o enriquecimento particular dos candidatos. Uma forma de corrupção extremamente perversa. Acho que, com o horário gratuito, de pouca coisa se precisa a mais para uma boa campanha. De todo modo, uma campanha limpa não seria nunca uma campanha onerosa. Quanto ao fundo partidário, penso que ele só faz sentido na medida em que o número de partidos políticos corresponda realmente à divisão das ideias e projetos de nosso povo, e não passe, assim, da marca de quatro ou cinco. Vinte, trinta partidos pendurados nesse fundo, que o tesouro público banca, é uma situação indecente.