Entrevista do ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o renomado advogado Carlos Eduardo de Caputo Bastos para o site direitoglobal.com.br sobre as eleições de outubro próximo quando serão escolhidos pelos eleitores o novo presidente da República, 27 governadores, senadores, deputados federais e estaduais.
Segue a entrevista :
1 – Como experiente jurista na área eleitoral, como o senhor avalia a eleição presidencial deste ano?
R: A eleição presidencial deste ano está, até o momento, marcada pela fragmentação política em razão do grande número de candidatos que concorrem ao pleito. E isso se verifica não por questões ideológicas, mas em razão da busca de alternativas fora do protagonismo encetado pelo PT e pelo PSDB desde 1994. Ao que tudo indica, a tendência é que tenhamos, diante deste cenário, um primeiro turno muito acirrado, à semelhança da eleição de 1989.
2 – A mídia social terá muito valor na campanha dos candidatos?
R: As mídias sociais terão nesta eleição um papel fundamental, principalmente considerada sua capacidade de rápida dispersão deconteúdo político-eleitoral. Além disso, e gratuitamente, propicia o estabelecimento de diálogo entre candidato e eleitor, ou entre seus apoiadores, algo de fundamental importância, especialmente num ambiente hoje marcado pelas conhecidas restrições de propaganda e financiamento eleitoral.
3 – Depois de tantos escândalos envolvendo políticos, o senhor acredita que o eleitor irá comparecer às urnas e escolher os seus candidatos?
R: Os grandes escândalos do mensalão e do petrolão vem, seguramente, produzindo significativo impacto na cabeça do eleitor, que se sente, ao mesmo tempo, desprotegido e desiludido com a classe política. E isso constitui um grande risco para qualquer democracia, pois não há solução fora da política. Entretanto, o eleitor não deve se abster de votar, pois se trata de sua maior contribuição, como cidadão, para construção de uma sociedade democrática. Voto tem consequência, e se não quisermos sofrer as consequência da má escolha ou da nossa omissão é preciso exercer o direito de voto, não obstante seja uma obrigação legal.
4 – O índice de abstenção promete ser grande?
Temos assistido um alto crescimento de votos nulos, brancos e de abstenção. A título de ilustração, vejam que votos brancos, nulos e abstenções somaram 43,54% no 1º turno da eleição suplementar para governador do Tocantins. Quase a metade dos habilitados a votar usaram ou omitiram seu voto como “protesto”, e isso gera uma grave preocupação. É muito importante que os eleitores tenham consciência da sua responsabilidade e não deixem de votar ou usem seu voto apenas como “protesto”. A participação cidadã, por meio do voto, me parece sempre a melhor forma de afirmar a democracia.
5 – O país não tem partidos políticos em demasia?
R: O número de partidos políticos no Brasil é, certamente, uma preocupação, principalmente no que respeita à falta de ideologia ou compromisso com o conteúdo programático. A par disso, o elevado número de partidos tem impacto direto na governabilidade, pois as alianças que ser formam, no mais das vezes, têm servido mais ao fisiologismo do que a necessária e desejada convergência de programas de governo e de estado. Nosso modelo precisa ser aperfeiçoado e as medidas previstas na última reforma eleitoral, como a observância de cláusula de desempenho e a proibição de coligações nas eleições proporcionais, parecem indicar uma boa perspectiva de mudança do atual cenário. São positivas e, naturalmente, terão como consequência uma salutar e gradual diminuição das agremiações políticas no Congresso Nacional, sem que isso signifique prejuízo para sociedade, nem mesmo sob a perspectiva da representação dos diversos segmentos sociais.
6 – A máquina de votar da Justiça eleitoral é confiável?
R: Essa é pergunta recorrente, à qual, em regra, respondo que, se até o Pentágono já foi sujeito à ação de hackers, tudo é possível de ser violado eletronicamente. Mas acredito que a urna eletrônica brasileira é confiável. Mais do que isso, da maneira como está configurada sua distribuição, ao redor de 400 votos em média em cada urna, para ser motivo de consideração estatisticamente relevante há de importar uma sistemática convergência de fatores, entre outros, a de que a eventual violação ocorra em pelo menos algo na casa dos milhares de urnas. Temos hoje inclusive testes públicos de segurança que demonstram ao cidadão, e principalmente ao eleitor, a integridade do sistema e a confiabilidade no processamento de todos os votos depositados. O TSE tem feito constante atualização tecnológica e hoje temos uma urna eletrônica atualizada e devidamente ajustada às necessidades da população, seja nos grandes centros, seja nas regiões mais longínquas do país. Hoje, diante da sempre grande preocupação com a fraude eleitoral seria impensável fazermos uma eleição para algo em torno de 144 milhões de eleitores, que não fosse com um sistema informatizado do voto. A demora na computação dos votos levaria, necessariamente, ao recrudescimento dessa desconfiança pública. Sem nenhuma evidência científica estatisticamente relevante, eu creio que se presta um desserviço ao país e às eleições aqueles pouquíssimos, aliás, cavaleiros do apocalipse, que vivem a bradar defeitos na nossa urna eletrônica, sem apresentar contribuições efetivas para o aperfeiçoamento do sistema.
7 – O senhor é favorável ao voto obrigatório?
R: Não, não sou favorável ao voto obrigatório. A democracia se constrói com participação, não com imposição. Voto é um direito. Não obstante, deve ser entendido, também, como um dever do cidadão. Antes de ser obrigatório, deveria ser objeto de campanhas publicitárias, com a obrigatória participação dos partidos políticos, no sentido de mostrar aos cidadãos a importância do voto para a construção da democracia.
8 – O senhor defende a transformação da Justiça Eleitoral em permanente?
R: Para ser muito sincero, começo a questionar a existência da Justiça Eleitoral no modelo atual. Se no passado sua criação era mais do que justificada, diante da colossal fraude existente, hoje, todavia, a sua existência tem servido mais à judicialização da política. Além disso, é demandada, também, por candidatos e partidos com intuito de achar “culpados” pela derrota. Não conseguindo os votos suficientes para eleição, candidatos, partidos e coligações buscam a Justiça Eleitoral na tentativa de reverter os resultados, a partir de um erro processual da parte adversa, da eventual rotatividade na composição das Cortes e de um fato superveniente que possa causar impacto no resultado do pleito eleitoral. E há questões injustificáveis: (a) como a prevalência da participação de juízes estaduais, tratando-se de uma justiça federal, (b) mesma composição numérica de membros (7) para tribunais completamente diversos em face do número de candidatos e de demandas, como por exemplo, São Paulo e Amapá. Também no âmbito de suas competências há temas que precisam ser corrigidos, como, por exemplo, as consultas sem efeito vinculante, entre outros tantos temas.
9 – O Brasil será outro a partir das próximas eleições?
R: Toda eleição possibilita uma chance de mudança, sem que com isso se esteja fazendo algum juízo de valor, para o bem ou para o mal. O voto, em si, é muito importante. O voto é nossa ferramenta mestra para delinear os rumos da vida em sociedade num estado democrático. Por meio do voto somos todos iguais e temos a mesma força na construção do futuro do nosso país. Precisamos valorizar essa ideia. Nos dias atuais, porém, percebe-se que há uma indicação de deslocamento do poder político para a direita ou para o centro-direita. E essa rotação se deve, aparentemente, aos grandes escândalos que repercutiram muito forte no seio social. É como se a esquerda tivesse o monopólio da corrupção, o que não é um fato. É aguardar e conferir.
10- Por que somente no Brasil tem Justiça Eleitoral?
R: Nossa experiência histórica ajudou a formatar, como disse anteriormente, o atual modelo de Administração Eleitoral por meio do Poder Judiciário. Bom que se diga, porém, que não existe modelo de administração eleitoral perfeito. No nosso caso, precisamos repensar a existência da própria justiça eleitoral tal como ela se apresenta hoje, buscar uma melhor definição de suas competências, seguir aperfeiçoando o modelo de votação, que favoreça o acesso à informação e a transparência na sua gestão, indicando novos caminhos para um melhor controle público dos atos da Justiça Eleitoral, em benefício de uma participação maior de qualquer cidadão na construção da democracia brasileira.
11 – O que o senhor acha de mudanças na lei eleitoral todo ano que antecede as eleições? Isso é necessário?
R: Penso que deveríamos voltar às premissas que culminaram na edição da Lei nº 9.504, de 1997. O objetivo da lei era republicano: acabar com a edição de leis no último minuto do ano que antecede as eleições, pois essas leis só tem como objetivo beneficiar os que estão no poder, não permitindo o aparecimento de novas lideranças políticas e partidárias. É o que eu chamo de padrão gafieira: quem está dentro não quer sair e ao mesmo tempo não deixam ninguém entrar. O exemplo mais gritante dessa anomalia, é a diminuição do tempo de campanha e, especialmente, de propaganda eleitoral. A qualquer um que se perguntar, a resposta será de que é para “diminuir os gastos de campanha”. Será? Com a fixação de teto de gastos, o candidato, os partidos e coligações deveriam estar liberados para efetuar os gastos da maneira que lhes aprouvessem. O limite não deveria ser temporal, mas o cumprimento do teto de gastos. Além disso, punir com propaganda antecipada aquele que não está no poder, só beneficia os que estão. Esses podem usar até verbas e material da sua instituição para “prestar contas aos seus eleitores”, e o fazem durante o mandato, sem que isso seja considerada propaganda antecipada, como tem decidido a Justiça Eleitoral. Mas e os outros, que ainda não eleitos não tem acesso às verbas de propaganda e aos serviços, bens e servidores públicos? É desigual e afeta o equilíbrio entre os candidatos, sem necessariamente incidir na previsão legal de “condutas vedadas aos agentes públicos”.
12 – E com relação aos registros de candidatos, o atual sistema é bom?
No particular, é importante avançarmos no sentido de dar maior celeridade e segurança jurídica nessa fase tão sensível do certame eleitoral. Precisamos reajustar o atual modelo vigente, que permite a discussão das condições de elegibilidade e das causas de inelegibilidade quando já ultrapassada a eleição e já iniciado o mandato para o qual o candidato concorre. Isso gera muita instabilidade política e insegurança jurídica! Essa fase da análise dos pedidos de registro de candidatura há de ser feita e concluída antes das convenções, de maneira que só sejam indicados para registro os cidadãos que reúnam condições de elegibilidade. A rigor, aqueles que têm intenção de servir à causa pública deveriam ser os primeiros a demonstrar espírito público e não se aventurar num pedido de registro, quando, sabidamente, não possuem condições de elegibilidade. Mas, infelizmente, precisamos crescer culturalmente para que se alcance esse estágio, em que o verdadeiro homem público reconheça e se submeta à legislação de regência, sem necessidade de movimentar a Justiça Eleitoral em vão, a par do alto custo político e institucional que esse tipo de iniciativa acarreta para a sociedade, em flagrante prejuízo e desgaste do regular processo eleitoral e do estado de direito.
13 – Qual a sua opinião sobre o horário eleitoral gratuito?
R: O horário eleitoral gratuito talvez esteja ultrapassado e deva ser repensado, vez que as diversas tecnologias atualmente disponíveis ao cidadão, e à sociedade em geral, permitem acesso direto e imediato a todo e qualquer tipo de informação ou conteúdo político-eleitoral. Ainda que o acesso à propaganda eleitoral seja um direito do cidadão, bem como das agremiações políticas, creio que não deveria ser custeada com recursos públicos. Isso deveria estar no teto de gastos, e custeado com contribuições recebidas pelas partidos por intermédio de seus filiados e apoiadores.
14 – E sobre as fake news, o senhor acha que a Justiça Eleitoral está pronta para enfrentar o desafio?
Esse será um grande desafio nas próximas eleições, regular e dar concretude à regulamentação das chamadas fake news, ou notícias falsas ou até criminosas (calúnia, injuria e difamação). Pela dinâmica e pela velocidade dos veículos digitais, cuja característica mais marcante é a instantaneidade da comunicação, a Justiça Eleitoral terá que se esforçar muito e ter muita criatividade para conseguir, a tempo e à hora, reprimir condutas dessa natureza e preservar a imagem de candidatos e partidos, sobre os quais o impacto no período eleitoral pode ser fatal.