O ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot se aposentou hoje do Ministétio Público Federal. Em portaria publicada no Diário Oficial, a atual PGR, Raquel Dodge, concedeu aposentadoria voluntária com “proventos integrais” a Janot, ou seja, ele continuará recebendo integralmente a remuneração do cargo de Subprocurador-Geral da República, que ocupava no órgão. A partir de agora Rodrigo Janot vai atuar em um escritório de advocacia.
Colegas,
Hoje encerro minha carreira no Ministério Público Federal.
Após 35 anos de dedicação exclusiva à instituição, aposento-me com a consciência em paz e com a certeza de que doei, nessas três décadas, os meus melhores esforços à causa do Ministério Público.
Tive a honra de coroar a minha experiência institucional ocupando o relevante cargo de Procurador-Geral da República por dois mandatos. Nas duas oportunidades, contei com a confiança da carreira que democraticamente me alçou à lista tríplice – instância de imprescindível legitimação – como primeiro colocado.
Naquele já longínquo 2013, quando tomei posse no cargo de PGR, começavam a se agregar à crise econômica então instalada outras duas crises, de natureza política e moral. As jornadas de junho de 2013 foram emblemáticas nesse sentido. As revelações da Lava Jato, por sua vez, a partir de 2014, apenas explicitaram as razões pelas quais o Brasil experimentava turbulências constantes em sua história e não conseguia sair do seu atoleiro econômico e político.
Grandes empresas, consorciadas a partidos e políticos do mais alto escalão da República, privatizaram ilicitamente o país, os seus interesses e as suas riquezas. As demandas sociais legítimas por saúde, segurança, transporte e educação estavam, nesse contexto de desvios generalizados, relegadas a segundo plano. A corrupção política, para nosso infortúnio, criou na democracia brasileira uma verdadeira cidadania de segunda classe composta por todos os brasileiros e brasileiras honrados que não tomavam parte nas negociatas políticas.
Quis o destino que a minha chegada ao posto de Procurador-Geral da República coincidisse com o início da Operação Lava Jato, o maior e mais desafiador caso de corrupção enfrentado pelo Ministério Público brasileiro. Pessoalmente, esses quatro anos à frente do MPF foram enriquecedores, mas também um período de grandes desafios. Procurei pensar e agir para além de interesses e conveniências pessoais. Errei e acertei, mas tudo fiz pensando na contribuição que o MPF poderia dar ao país.
Desde o início, ficou claro para mim que dar combate à corrupção que surgia sem adornos, desnuda e em sua mais completa hediondez era o caminho incontornável que o Brasil precisaria trilhar para reconciliar-se com as suas potencialidades e com o seu futuro.
Fiz, durante os meus quatro anos de mandato, tudo que esteve ao meu alcance para levar o caso Lava Jato a bom termo, embora soubesse que esse capítulo da nossa história não se fecharia em tão curto espaço de tempo. De fato, observando o cenário atual, já com certo distanciamento do front, vejo que não estamos hoje sequer perto do fim desses dias turbulentos, infelizmente.
Além do Ministério Público, acredito que o Poder Judiciário tem também uma grande parcela de responsabilidade nesse processo. Em momentos de crise, a Justiça deve ser um esteio de estabilidade, até porque essa instituição foi blindada pela Constituição contra paixões e refregas próprias da vida político-partidária justamente para, no agir ponderado e imparcial, encontrar a necessária legitimidade de mediar conflitos e pacificar a sociedade.
Não é por outra razão que nenhum membro da magistratura pode perder de vista o seu papel na sociedade de árbitro imparcial, seja ele um juiz de primeira instância, seja um ministro do STF, ainda que a pretexto de defender a honra da Justiça ou dos integrantes. Digo isso porque a defesa da boa imagem do Poder Judiciário e da sua honradez não precisam de voluntarismos intempestivos e menos ainda de inovações inconstitucionais.
O respeito social e a legitimidade das Cortes de Justiça estarão sempre bem preservados na medida em que os seus juízes e Ministros cumpram fielmente o dever que lhes incumbe: fazer valer as leis e a Constituição; respeitar e (para) fazer respeitar incondicionalmente o Estado Democrático de Direito.
Para encerrar e me despedir, deixo uma mensagem de esperança a todos vocês que seguem nessa jornada. A crise, cedo ou tarde, haverá de passar, porque isso está na ordem natural das coisas. O importante é que o Ministério Público, o Poder Judiciário e o país consigam sair desse momento difícil em condições melhores. Para isso, penso eu, é preciso, antes de tudo, preservar a institucionalidade e manter firme a unidade em torno dos valores democráticos e republicanos que considero inegociáveis.
Sigo agora, amigos e amigas, por outros caminhos, em busca de renovação e de aprendizado, mas levo na alma os valores, as amizades e o companheirismo que cultivei por mais de 30 anos de labuta no MPF. Agradeço a todos pelo apoio nos momentos difíceis, pelas críticas nas horas dos equívocos e pela lealdade que se fez sempre presente nas minhas relações.
Tudo isso, tenham certeza, tornou a minha jornada menos acidentada, mais gratificante e surpreendentemente prazerosa. Contem sempre comigo! Forte abraço. Rodrigo Janot