Direito Global
blog

A palavra de um juiz

Do ex-presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), juiz titular da 2ª Vara Federal, Corregedor do Presídio Federal de Mossoró e membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, Walter Nunes sobre o cumprimento de pena após o julgamento em segunda instância:

“O princípio da presunção de não culpabilidade é uma regra de tratamento, no sentido de exigir, para a condenação, ou seja, o juízo de culpabilidade pelo juiz, uma certeza indene de dúvida razoável.

Não se presta para disciplinar o efeito de uma decisão condenatória. O preceito constitucional que regula a prisão é o inciso LXI do art. 5o. da Constituição, ao preceituar que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente”. Evidentemente, quando o constituinte fala em ordem escrita e fundamentada, ele não faz referência a prisão preventiva nem muito menos a decisão condenatória. Portanto, ordem escrita e fundamentada tanto pode ser aquela que decreta a prisão preventiva quanto a decisão que contém preceito condenatório.

A interpretação literal do art. 5o. LVII (“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”) não infirma o que aqui foi dito. O que literalmente esse princípio impede é a prisão decorrente de sentença sem o trânsito em julgado. Mas sentença não se confunde com acórdão. Sentença é decisão de primeiro grau. Acórdão, de colegiado. Assim, mesmo que se entenda que o princípio em foco se presta para regular a prisão, há de se convir que, pelo menos em sua literalidade, ele não veda o encarceramento com base em acórdão, ainda que não transitado em julgado.

Nem se diga que o art. 283, caput, do CPP, seria o empecilho. Lá também se fala apenas em sentença condenatória transitada em julgado. Não cuida de acórdão. E melhor, quando muito, trata dos efeitos da sentença condenatória. A norma que disciplina os efeitos do acórdão é o art. 637 do CPP, que determina, na pendência do recurso extraordinário (que na época tratava também da matéria referente ao recurso especial, dado que este ainda não existia), a baixa dos autos ao primeiro grau para o início da execução.

Isso para não dizer que esse direito fundamental, apenas previsto expressamente em nosso meio com a Constituição de 1988, é reconhecido pelo menos desde a Quinta Emenda inserida na Constituição americana. Nem lá nem em nenhuma declaração de direitos internacional ou regional está dito que a presunção de inocência ou de não culpabilidade vigora até o trânsito em julgado. E não o faz por questão de lógica. Ora, o juiz, quando condena alguém, declara esse alguém culpado. Se ninguém pode ser declarado culpado senão com o trânsito em julgado, todos os magistrados, quando condenam uma pessoa, descumprem a Constituição. Por isso mesmo, a título de exemplo, o Pacto de São José da Costa Rica prescreve que “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa (art. 8o., 2).”