O Plenário virtual do STF deve julgar, esta semana, a ação SL 610 que pode mudar a extensão dos efeitos de suspensões de liminares e de sentença, para permitir sua utilização inclusive para processos já transitados em julgado. A questão suscita amplo debate acerca do princípio constitucional da proteção à coisa julgada, visa a possibilidade de suspensão de condenações ao erário passadas em julgado. O relator é o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli. Os advogados da causa são o ministro aposentado do STJ, Hélio de Melo Mosimann e o presidente da OAB-SC, Rafael Horn.
Remonta ao período do regime militar a introdução de medidas de natureza cautelar que autorizam aos Presidentes de Tribunais determinar a suspensão de decisão contra o Poder Público, desde que caracterizado o interesse público e grave lesão à ordem, saúde, segurança e economia públicas. Pertencem a esse gênero a Suspensão de Liminar (SL), positivada pela Lei 8.437/92 e a Suspensão de Liminar e de Sentença (SLS), trazida pela Lei 12.016/09.
De uso bastante frequente em matéria tributária, a suspensão em suas diversas modalidades têm como traço comum a manifestação de um juízo político, sem análise meritória, de modo que seus efeitos vigoram apenas até o trânsito em julgado da decisão de mérito na ação principal.
A Suspensão de Liminar a ser julgada esta semana pelo Plenário Virtual do STF refere-se a processo de desapropriação por interesse social (para fins de reforma agrária) movido pelo INCRA no Estado de Santa Catarina em 1986. A ação foi julgada procedente, estabelecendo os valores devidos aos proprietários e permitindo que a área expropriada fosse utilizada para assentamento rural de pequenos agricultores. Após recursos de ambas as partes para a segunda instância e, sucessivamente, ao STJ e STF, para fins de discussão dos critérios de indenização, o processo transitou em julgado no ano de 2010.
Após iniciado o cumprimento de sentença (desafiado por embargos, unicamente quanto a parcial excesso de execução, os quais acabaram por ser parcialmente acolhidos), o INCRA apresentou petição informando a existência da Portaria 1.128/03 do Ministério da Justiça, a qual busca a ampliação de reserva indígena, abarcando a área expropriada, cuja validade estaria sendo discutida pelos atuais titulares da área (assentados) em Ação Cível Originária (ACO 1100) que tramita no STF, razão pela qual a execução deveria ser suspensa até que resolvida a matéria objeto da ACO 1100.
Tendo o juiz de primeiro grau rejeitado o pedido, face à existência do trânsito em julgado, o INCRA ajuizou Suspensões de Liminares, sucessivamente, perante o TRF4 e STJ, sumariamente repelidas nos termos do art. 4º, § 9º, Lei 8.437/92, pelo qual “A suspensão deferida pelo Presidente do Tribunal vigorará até o trânsito em julgado da decisão de mérito na ação principal”. Na terceira tentativa, proposta perante o STF, o pedido restou acolhido, sendo desafiado por agravo regimental, incluído na pauta de 15 de maio do Plenário Virtual.
Embora poucas tenham sido as vezes em que foi instado a decidir sobre pedido de suspensão para retirar efeito de decisões/sentenças transitadas em julgado, o STF em todas essas oportunidades destacou a impossibilidade de suspender-se acórdão ou decisão transitada em julgado (SL 301/MA, Rel. Min. Gilmar Mendes), ou de utilização de SL como meio de impugnação à execução ou instauração de juízo rescisório (SS 1878/DF, Rel. Min. Marco Aurélio).
A jurisprudência do Supremo, de viés garantista quanto à aplicação de direitos e garantias fundamentais, privilegia a segurança jurídica e previsibilidade decorrentes da coisa julgada em sentido material, como bem ilustra o acórdão proferido no Ag. Reg. no RE com Agravo 1.164.768 (Rel. Min. Celso de Mello), o qual reconheceu a “indiscutibilidade, imutabilidade e coercibilidade” da coisa julgada como “valores fundamentais inerentes ao Estado Democrático de Direito”. A admissão da dita “relativização da coisa julgada”, nesse contexto, embora venha sendo admitida (Ag. Reg. no Agravo de Instrumento 665.003, Rel. Min. Dias Toffoli), é reservada para circunstâncias excepcionalíssimas, via de regra motivadas por ação de conhecimento manejada com escopo idêntico ao de ação rescisória, assegurada a apresentação de defesa, produção probatória e duplo grau de jurisdição.
O que o julgamento desta semana traz de novo é uma potencial extensão da “relativização” a patamares nunca antes imaginados, justamente por autorizar sua utilização por meio de veículo processual anômalo (isto é, a Suspensão de Liminar regulamentada pela Lei 8.437/92), cujo tratamento legislativo lhe retira expressamente a produção de efeitos após o trânsito em julgado, e cuja moldura processual torna bastante incerto o desfecho da questão. De fato, se na SL “típica” a suspensão vigora até o trânsito em julgado da ação principal, o que se dirá quando não há mais ação principal? Como a parte prejudicada poderá exercer o direito ao contraditório e à ampla defesa? Por curioso que possa parecer, a SL poderia servir como “atalho” para que o Poder Público possa se eximir dos rigorosos pressupostos e requisitos da ação rescisória, sobretudo do exíguo prazo prescricional.
Nesses tempos estranhos em que vivemos, no qual aumento exponencial na adoção das ferramentas tecnológicas vem aumentando a distância entre o Judiciário e seus usuários, espera-se que o STF reafirme o compromisso da Constituição Federal com os direitos fundamentais e celebre o valor da coisa julgada como elemento de segurança jurídica e paz social. A decisão que venha a ser tomada no julgamento desta semana terá repercussões amplas e profundas para a avaliação deste compromisso.