Do desembargador federal do TRF da 3a Região e ex-presidente da Ajufe, Nino Toldo sobre o envio, pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Conselho da Justiça Federal (CJF), ministro Humberto Martins, à Corregedoria-Geral da Justiça Federal, de proposta de resolução que prevê a instalação de varas federais de inquéritos policiais nas subseções judiciárias com mais de uma vara criminal. A minuta foi apresentada ao presidente do STJ e do CJF pelo ministro Luis Felipe Salomão:
– Li uma nota no seu blog a respeito da proposta de criação de varas de inquéritos policiais na Justiça Federal, cuja inspiração seria o Departamento de Inquéritos Policiais (DIPO), de São Paulo.
Em relação a isso, gostaria de dizer que essa proposta não atenderá satisfatoriamente ao que consta na Lei nº 13.964, de 24.12.2019 (Pacote anticrime), que introduziu no nosso sistema o juiz das garantias, mas que, nessa parte, está suspensa por força de liminar deferida pelo Min. Luiz Fux.
No início do ano passado, o CJF formou um Grupo de Trabalho (GT) para tratar da implantação do juiz das garantias. Esse GT, que teve a participação de juízes e desembargadores das cinco Regiões, apresentou proposta que teve por norte a autonomia dos tribunais, já que o assunto é de organização judiciária e deve ser considerada a realidade de cada Região. O que é bom no Amazonas, pode não ser em São Paulo; o que pode funcionar bem no Rio Grande do Sul talvez não funcione bem em Pernambuco ou em Minas Gerais.
O resultado desse trabalho somente não teve seguimento no CJF em razão dessa medida liminar, que suspendeu o dispositivo do juiz das garantias por tempo indeterminado.
O Brasil é um país enorme. São muitas as diferenças regionais e, mesmo dentro de uma região, há diferenças de uma seção judiciária para outra e, dentro destas, entre as subseções judiciárias. As variáveis relacionam-se à área das subseções, às delegacias da Polícia Federal por elas abrangidas, ao número de ocorrências e ao número de juízes, dentre outras.
A implantação pura e simples de uma vara de inquéritos em lugares em que haja mais de uma vara criminal, de modo uniforme para todo o País, além de não respeitar a autonomia dos Tribunais, pode ser contraproducente.
Veja, por exemplo, a situação da cidade de São Paulo. Atualmente, temos 10 varas criminais (sendo três especializadas em crimes contra o sistema financeiro nacional e lavagem de dinheiro) com 20 juízes responsáveis pelos inquéritos (e também os processos deles decorrentes). Se for instalada uma vara só para os inquéritos, passaríamos a ter apenas dois juízes para cuidar de todos os inquéritos. Ainda que esses dois juízes só cuidem dos inquéritos, a perda de qualidade no serviço seria significativa.
Se entendermos que essa vara teria abrangência além da Capital, isso seria muito pior. Isso porque existem cidades que têm apenas duas varas federais e outras com apenas uma vara federal.
A criação de uma vara específica para inquéritos em cidades com mais de uma vara federal criminal não atende à ideia do juiz das garantias conforme prevê a Lei nº 13.964/2009. Na Terceira Região, por exemplo, são poucas as subseções judiciárias com mais de uma vara federal criminal, assim entendida a vara com competência exclusivamente criminal.
A maior parte das cidades tem varas cumulativas, sendo que em muitas subseções judiciárias, há apenas uma vara federal.
A ideia de uma vara especializada em inquéritos pode ser uma opção em algumas situações, mas jamais a única porque não abrange diversas outras situações em que o juiz das garantias terá que ser implementado.
Por isso, não pode ser adotada como solução única para toda a Justiça Federal.
A autonomia dos tribunais precisa ser considerada e respeitada. Cada Tribunal Regional Federal deverá analisar a sua situação específica para se adequar a essa nova realidade.
Na Terceira Região, a nossa preocupação é dar a mais ampla eficácia ao juiz das garantias, assim que for decidida a questão quanto à sua criação (e desde que tida por constitucional, é claro), dando a melhor prestação jurisdicional possível.
O pressuposto fundamental para isso, porém, é que seja respeitada a autonomia dos tribunais.
A solução do DIPO (que existe na cidade de São Paulo), decididamente, não é a melhor para toda a Justiça Federal.