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Urnas eletrônicas

O artigo “Urnas eletrônicas: garantia de respeito ao voto do eleitor” é de autoria do ex-presidente do STF e do TSE, ministro aposentado do STF, Carlos Mário da Silva Velloso:

A professora Maria Tereza Aina Sadek, do Departamento de Ciência Política da USP, em artigo publicado (“Voto em papel: um vírus imunizado no século 20”, Folha de S. Paulo, 15.03.2021), refere-se ao coronavírus que tem matado seres humanos no mundo, especialmente no Brasil. E que, em meio a isso aparece, vez ou outra, o vírus da “desconfiança na urna eletrônica e a demanda por voto impresso.” Acrescenta que “esse vírus tem potencialidade de infectar um dos mais importantes pilares do regime democrático: a legitimidade da representação”, porque, vale acrescentar, a democracia representativa em que o titular do poder, o povo, manda através de representantes, é a democracia possível.Felizmente, a professora Maria Tereza informaque, segundo pesquisa recente, “a maior parte dos brasileiros está imunizada: 76% confiam nas urnas eletrônicas.”

Em artigo que escrevi (“Urnas eletrônicas, garantia de eleições limpas”, Estadão, 27.01.2021), dissertamos sobre a história da urna eletrônica, que o idealismo e a criatividade dos brasileiros, sob a liderança do TSE, tornaram realidade, acabando com o “mapismo”, o aproveitamento de votos em branco, a falsificação de cédulas e mazelas outras.

Cuidaremos, aqui, das etapas da operação, oudos mecanismos de segurança da urna eletrônica, que, esclareça-se, não está sujeita à ação dos hackers, porque não está “on line”. Ressalte-seque vem ela sendo utilizada há 25 anos sem nenhum indício ou evidência de fraude.

Os programas (softwares) são elaborados pelo TSE, sob a fiscalização dos partidos políticos. Seis meses anteriores às eleições, ficam à disposição dos partidos, do Ministério Público, da OAB, de entidades técnicas que se interessarem e dos cidadãos de modo geral. A carga dos programas nas urnas, com sua adaptação às seções eleitorais, é feita pelos Tribunais Regionais Eleitorais, 10 a 15 dias anteriores ao pleito.

No dia da eleição, o presidente da mesa imprime, na presença dos fiscais dos partidos, o boletim denominado zerésima, que comprova que na urna há zero voto, que é entregue, no ato, aos fiscais dos partidos.

O eleitor, ao votar, isto é, ao digitar o número do seu candidato, vê surgir na tela o nome, o partido e a fotografia do candidato. O eleitor confirma, então, o seu voto. Se os dados e a fotodo seu candidato não conferirem, porque teria se equivocado, pode ele efetuar a correção, apertando a tecla de cor laranja, que começa tudo de novo.

O eleitor recebe o documento comprobatóriode que votou, do modo como sempre aconteceu. Mas o que alguns políticos desejam é a impressão da confirmação do voto do eleitor em fulano ou beltrano, o que quebraria o sigilo do voto, com ofensa à Constituição. O voto impresso seria ótimo para os caciques políticos, que exigiriam a apresentação do comprovante do voto em fulano ou beltrano. Isso nunca existiu, é dizer, esse tipo de documento nunca foi expedido, nem no tempo das cédulas de papel, porque o voto impresso seria inconstitucional (art.14 da Lei Magna), o que já foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal.

Terminada a votação, o presidente da mesa imprime o boletim da urna, que contém os votos dados a cada um dos candidatos. Cópia desse boletim é entregue aos partidos políticos. Outra cópia é afixada na porta da seção. O pendrive,criptografado, num envelope lacrado e assinado pelo presidente e outros membros da mesa, é levado ao órgão central da Justiça Eleitoral, ou aum posto desta, mais próximo, onde é transmitidoao TSE. É dizer, a totalização dos votos, a partir das eleições de 2020, passou a ser feita no TSE e não mais nos TREs.

Até as eleições de 2020, o somatório dos votos, constantes dos boletins de urna, erarealizado nos TREs, somatório que os partidos políticos já teriam feito, porque em seu podercópias dos citados boletins. Teria sido fácil, portanto, a conferência, pelos partidos, em cada Estado e no DF, do somatório realizado pelorespectivo TRE. Os TREs enviavam os somatórios ao TSE, que, por sua vez, somaria os totais por eles enviados, ou a totalização final, quando se tratasse da eleição do presidente da República. Conforme foi dito acima, a partir das eleições de 2020, a totalização dos votos é feita noTSE. Nada mudou, portanto, senão que a totalização, agora, é feita no TSE.

É importante enfatizar que, de um modo ou de outro, os partidos e os candidatos já terão feito as suas contas, com base nos boletins de urnas que receberam imediatamente após a votação.

Haveria algo mais transparente? E semcarimbos ou coisas que tais, inexistentes em tempo de inteligência artificial. Tudo feito sob a responsabilidade da Justiça Eleitoral, com absoluto respeito ao sigilo do voto, garantidor da independência do eleitor. A urna eletrônica, auditável antes e depois das eleições, constitui, de fato, garantia de respeito ao voto, pressuposto de eleições limpas, eleições legítimas.

(Publicado no “Estado de S. Paulo”, 23/O4/2021, Caderno A, p. 2)