Há 68 anos, na madrugada do dia 5 de agosto de 1954, na rua Toneleros, em Copacabana, no Rio de Janeiro – então capital federal do Brasil – em frente ao edifício número 180 ocorreu um atentado cuja repercussão política e jurídica até hoje não foi superada por nenhum outro fato criminal. No atentado morreu o major Aviador Rubens Florentino Vaz e ficaram feridos o jornalista Carlos Lacerda, proprietário do jornal Tribuna de Imprensa, e o guarda municipal Sálvio Romero. Dezenove dias após ocorria o suicidio do presidente da República, Getúlio Vargas.
Na noite de 4 de agosto, Lacerda proferiu palestra no Externato São José, na Tijuca. Para acompanhá-lo, o grupo designou o major aviador Rubens Vaz, que conduzia o jornalista e seu filho Sérgio no próprio automóvel. Depois de estacioná-lo no número 180 da rua Toneleros, todos desembarcaram. Passava meia hora da madrugada. Uma figura estranha, caminhando de modo suspeito, aproximou-se e efetuou um disparo de arma de fogo na direção de Lacerda.
O major entrou em luta corporal com o agressor, e recebeu dois tiros: o primeiro, de baixo para cima; o segundo, de cima para baixo. Foi socorrido no próprio veículo, mas chegou sem vida ao Hospital Geral Miguel Couto. O som dos disparos alertou o guarda municipal Salvio Romero, também ferido por um tiro, mas conseguiu acertar disparos de revólver no automóvel da fuga. Populares anotaram a placa do automóvel de aluguel: 5-60-21, Distrito Federal. O segundo suspeito na cena do crime afastou-se caminhando.
No dia 6 de agosto, o ministro da Aeronáutica, Brigadeiro Nero Moura, designou o coronel aviador João Adil de Oliveira para acompanhar o Inquérito Policial instaurado no 2o Distrito Policial. Contudo, suspeitava-se que a polícia não teria condições de proceder a uma apuração isenta. Pelo Ministério Público do DF foi designado o promotor público João Batista Cordeiro Guerra. O delegado titular do Distrito, José Pastor, era pessoa vinculada ao meio político dominante.
Ainda em 6 de agosto, o motorista do taxi Nélson Raimundo de Souza, temeroso de sua implicação no atentado, apresentou-se à Polícia. Seu automóvel Studebaker tinha perfurações de bala produzidas pelo revólver do vigilante Sálvio Romero. Confessou sua participação perante o celegado José Pastor, o Coronel Adil e o promotor Cordeiro Guerra. Nélson fazia ponto de taxi em frente ao Palácio do Catete e atendia a membros da Guarda Pessoal da Presidência. Segundo Gustavo Borges, “o depoimento de Nélson Raimundo foi fundamental para a apuração do crime, pois, graças a ele se pode comprovar a participação da Guarda Pessoal de Getúlio no assassinato de Rubens Vaz”.
Embora o pessoal incumbido de efetuar diligências reunia-se no edifício do Aeroporto Santos Dumont, o encarregado do IPM e todos os depoimentos ficaram centralizados na Base Aérea do Galeão. A sagacidade dos jornalistas titulou o inquérito de “República do Galeão”, em contraponto à República representada pelo Palácio do Catete. As investigações levaram ao mandante do crime: Gregório Fortunato, chefe da Guarda Pessoal do Presidente. Ouvido a primeira vez, negou sua participação. Em segundo depoimento, confessou o crime e deu o nome dos demais: o pistoleiro Alcino João do Nascimento, o motorista do automóvel de aluguel Nélson Raimundo, o investigador Climério Euribes de Almeida, José Antônio Soares e João Valente de Souza, subchefe da GP.
Todos sofreram prisão decorrente do IPM, decretada pelo Encarregado e prorrogada pelo Ministro da Aeronáutica. Alguns deles ingressaram com Habeas Corpus no Superior Tribunal Militar, mas não obtiveram sucesso. O IPM foi encerrado em 19 de setembro, 26 dias depois do suicídio do Presidente Vargas. Contava quatro volume e cerca de 700 folhas. Vargas cometeu suicídio no dia 24 de agosto de 1954, com um tiro no coração, em seu quarto, no Palácio do Catete, na cidade do Rio de Janeiro, então capital federal.
Em 8 de agosto de 1955, depois de resolvida a questão de competência no âmbito da Justiça do Distrito Federal, o Juiz de Direito Roberto Talavera Bruce determinou “o traslado de peças dos autos do processo-crime 1891[…] para remessa à Procuradoria-Geral da Justiça Militar”. Roberto Talavera Bruce nasceu nasceu no dia 25 de março de 1913, na embaixada do Brasil em Assunção, no Paraguai, onde o pai era adido. Bacharel em Direito desde 1936, foi professor de Direito Administrativo e de Direito Constitucional da Caixa Econômica, da Associação Cristã de Moços e outros estabelecimentos de ensino. Presidiu o Tribunal do Júri de 1960 até ser vítima de um infarto do miocárdio em 16 de fevereiro de 1965. Deixou viúva a médica Olga Bruce e o filho Roberto Talavera Bruce Neto. Ele foi sepultado no Cemitério São João Batista. No ano seguinte, tornou-se patrono da Penitenciária de Mulheres, localizada em Bangu, zona oeste do Rio de Janeiro, quando a unidade prisional ganhou autonomia administrativa.
Os autos do Inquérito chegaram para depósito definitivo no Arquivo do Superior Tribunal Militar em 10 de setembro de 1957, encerrando um dos famosos casos judiciários daquela década. Os seis civis que participaram do crime receberam ao todo 128 anos e 2 meses de reclusão. Alcino e Climério, executores, foram condenados a 33 anos de prisão. Gregório, à pena de 25 anos, e Soares, 26 anos. O motorista Nélson, 11 anos. Valente, que respondeu por favorecimento pessoal, teve a pena menor: 2 meses de detenção. Gregório morreu na prisão.
Em 1955, Carlos Lacerda elegeu-se deputado federal e depois governador do Rio de Janeiro. O patrono da Força Aérea Brasileira. Cordeiro Guerra foi nomeado Procurador-Geral da Guanabara e depois, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), exerceu a presidência da mais importante tribunal de justiça do país.
João Baptista Cordeiro Guerra nasceu no Rio de Janeiro em 12 de junho de 1916, falecendo também no Rio de Janeiro em 27 de junho de 1993. Bacharel em direito pela Faculdade Nacional de Direito, em 3 de dezembro de 1937. Foi nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal, por decreto de 16 de setembro de 1974, do presidente Ernesto Geisel, assumindo em 26 de setembro de 1974. Ocupou o cargo vago com a aposentadoria de Luís Gallotti. Aposentado em 18 de março de 1986, foi sucedido por Célio Borja. Entre outras ações importantes, negou a extradição a cidadão francês em 1977 pelo temor a ser submetido a prisão perpétua ou mesmo pena de morte (Processod de Extradição 342). Foi presidente do Supremo Tribunal Federal, de 21 de fevereiro de 1983 a 25 de fevereiro de 1985.