O relato é do advogado Yamil e Sousa Dutra, gaúcho de Rosário do Sul, hoje aposentado e morando em Gramado (RS), trabalhou como Senior Advisor na empresa Brazilian Bar Association, além de ter estudado Information Sciences na instituição de ensino University of Maryland, College Park:
Deixem-me contar esta estorinha para vocês: Foi nos desditados anos de ferro! Em 1968, para ser mais exato. Lá ia eu, em Brasília, caminhando pela W3 Sul em direção à Casa Thomas Jefferson (CTJ), que ficava na 510, onde eu dava aulas de inglês sob o comando restrito da agora falecida e “assustadora”, mas em realidade maravilhosa, Miss Switt. No caminho encontrei alguns colegas da UNB que dirigiam-se para a CTJ, não para estudar, mas para fazer uma manifestação anti-americana. Caminhamos juntos por algumas quadras. Eu entrei para dar minhas aulas e o grupo ficou do lado de fora gritando suas palavras de ordem contra o Tio Sam (sempre culpado de tudo). Passaram-se alguns dias. Eu estava na biblioteca da UNB quando Da. Arilda (lembram? foi a secretária da UNB por muitos anos) chegou toda emocionada para informar que um major do Exército tinha deixado uma intimação na secretaria para que eu me apresentasse no Ministério para uma “entrevista”. Sendo filho de deputado cassado, esperei pelo pior. Avisei a amigos, a família no sul do Brasil, alguns políticos amigos de meu pai e também a Miss Switt, que passou a informação para a Embaixada dos EUA. Lá fui eu, na manhã seguinte, para ser “entrevistado”. Fui encaminhado por um cabo para uma sala num dos andares superiores do Ministério. Sala simples, com uma mesa metálica duas cadeiras e, sobre a mesa, uma espécie de lâmpada dirigida diretamente para minha face. Do outro lado um coronel. Perguntou com a rispidez usual de quem “manda e não pede” se eu era quem eu era, se estudava na UNB, se meu pai era um deputado cassado, se morava na Asa Norte, se trabalhava na CTJ. Sim, sim, sim, sim! respondi meio cego com a luz (acho que 200 watts) nos meus olhos. A seguir, o tal coronel passou uma pasta cheia de fotos, fotos minhas, tiradas por alguém na UNB, numa das nossas famosas reuniões de protesto no auditório Dois Candangos; caminhando na Asa Norte; caminhando com os colegas da UNB na W3 Sul nas proximidades da CTJ; entrando na CTJ; saindo da CTJ. Parece que para filme fotográfico não faltavam recursos do regime, mas giz nas escolas das cidades satélites, onde eu dava aulas à noite, isso faltava. Mas continuando, o coronel aponta para as fotografias e vai dizendo onde teriam sido tomadas e que muito bem demonstravam minha presença. Sim, sim, sim, sim! Era eu mesmo, que mais podia dizer!? Aí então o coronel fez meu dia! Levantou-se e com o olhar mais “tremendão” que podia fazer e com uma voz que caberia muito bem num daqueles discursos histéricos que o Hitler fazia em Berlim, disse: “Estamos seguros de que você é um espião duplo! Vemos que mantem contatos com grupos de estudantes e com a Embaixada dos EUA!” Tive que rir, mesmo meio deslumbrado pela luz. “Eu, espião duplo? Pois coronel, devo ser tão bom espião que nem eu sabia! Tenho que agradecer a informação que o senhor me passa!” O pobre homem quase me atira a mesa pela cara! Deu um soquetão tão forte na mesa que a lâmpada saltou e espatifou-se no chão. Depois acalmou-se um pouco, em meio ao escuro, e ainda gritando me disse: “Saia já daqui e lembre-se que o estamos vigiando dia e noite!”. Estávamos mesmo muito mal cuidados naqueles tempos. A sorte é que os inimigos do Brasil eram ainda mais imbecis!