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Um livro sobre os bastidores do Palácio do Planalto

O brilhante jornalista Emerson Souza, baiano de nascimento mas residente em Brasília há várias décadas – com uma passagem na adolescência pelo Rio de Janeiro – irá lançar, no próximo dia 20 de agosto, às 19 horas, no tradicional bar Beirute, na comercial da 109 sul, na capital federal, o livro ” Passa um vento e fica assim … histórias palacianas e outros causos. Emerson, chamado carinhosamente de “Careca”pelos amigos, faz uma homenagem no livro: “Aqui presto minha homenagem aos 108 jornalistas credenciados nessa época (1980) quando fui eleito presidente do Comitê de Imprensa do Palácio do Planalto. E, sem desmerecer qualquer outro companheiro, destaco pelo alto teor da sacanagem sadia ali criada, as figuras de Joanito Bernardo, Carlos Zarur, Irineu Tamanini, Artur Pereira, Augusto de Freitas, Orlando Brito, Mário Nélson Duarte, Pedro Rogério, José Quintiliano Fonseca, Ricardo Pedreira, Roberto Stefanelli, Laerte Rímoli, Paulo Carneiro, Aloísio Raimundo de Carvalho e Alexandre Garcia.

Seguem duas deliciosas histórias contadas no livro:

O Coronel Fancoil

Certa tarde eu estava sozinho no Comitê de Imprensa do Palácio do Planalto terminando uma matéria para a Folha de S. Paulo. Todos os demais repórteres estavam no terceiro andar, onde o presidente João Figueiredo participava de uma cerimônia a qual, outro repórter da Folha estava lá cobrindo.

Na sala, comigo, apenas José Henrique Nazareth, o “Very Well” – um antigo servidor da empresa das barcas Rio/Niterói, que desde os tempos do Palácio do Catete, no Rio, trabalhava na parte de apoio à imprensa na presidência.

A solenidade já havia começado com a participação de alguns governadores, entre eles, Chagas Freitas, do Rio, quando, de repente, entra na sala uma repórter agitada e atrasada na maior correria.

Ela tentou subir, mas a segurança a barrou por dois motivos, ela não se identificou na portaria e a solenidade já tinha começado, portanto, não havia mais acesso à imprensa.

Ela, atrasada, nervosa e na maior agitação, dizia ser da Rádio carioca Roquete Pinto e, tinha que cobrir a participação do governador Chagas Freitas de qualquer maneira. Diante do impasse devido às normas palacianas, ela começou a se desesperar e soltou os cachorros pra cima do Very Well.

Eu escrevia e comecei a pensar numa maneira de dar um fim ao incidente. E, mais ainda, ir em apoio ao velho funcionário da casa que, nada mais fazia, senão cumprir ordens da Assessoria de Imprensa: repórter não credenciado na Presidência da República tinha de chegar aos eventos sempre antes do presidente.

A Sala de Imprensa ficava no térreo e, por ela, se chegava à escada que dava acesso aos andares superiores, entre eles, o mezanino onde a cerimônia transcorria.

Impedida de subir, a moça, aos gritos espinafrava Nazareth. Nesse momento, quando ela se encontrava no paroxismo da raiva, eu resolvi entrar na conversa. Embora sabendo o que estava ocorrendo, parei minha matéria e perguntei o que ocorria, e Nazareth me narrou o caso.

Na hora entrei na discussão e criei uma situação:

“Nazareth, se a Segurança barrou, manda ela falar com o coronel Fancoil que talvez ele libere o acesso dela.”

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Era uma época em que a turma de jornalistas credenciados na presidência da República era constituída por profissionais com larga experiência, passagem por diversas editorias e vivenciado quase de tudo, os chamados “putas velhas”.

Até os dias de hoje nos meios da imprensa se reconhece que nos “anos de chumbo” passou pelo Planalto, sem dúvida, uma gama de jornalistas da melhor categoria. Mas, também, a turma mais espirituosa, sacana e brincalhona que por ali pôs os pés.

Talvez os anos de chumbo por nós vividos, uma verdadeira pedreira nas coberturas, tivesse-nos moldado a suavizar o dia a dia com brincadeiras e pegadinhas para neutralizar o ar quase irrespirável daquele período sombrio.

Na hora, quando criei o coronel Fancoil, Nazareth, acostumado às matreirices da turma, entendeu que vinha alguma armação.

No palácio existem várias salas com porta de aço e a placa “Fan coil” do lado de fora. São unidades de climatização para refrigerar o ambiente. No saguão do térreo, por exemplo, existem duas, uma próxima aos elevadores na ala Leste e outra na extremidade Oeste.

Também, entre a Sala de Imprensa e a escada de acesso aos andares inferiores e superiores há outra.

“Onde eu encontro o coronel Fancoil? – indagou ela.

“Como ele é o chefe da Segurança, ele tem várias salas. Vai lá naquela perto dos elevadores bate forte porque a porta é de aço e muitas vezes ele lá no fundo não escuta”, disse eu.

Lá foi ela apressada carregando um gravador e uma bolsa rechonchuda de papéis.

Não demorou muito ela volta mais nervosa ainda porque o tempo estava passando e “o doutor Chagas”, como ela se referia, já estava com o presidente.

A encaminhei para a outra sala na parte oposta a que ela já tinha ido.

Logo ela voltou ainda mais furiosa e arfando como se um leão marinho após longo mergulho em água gelada.

“Esse homem não tá em lugar nenhum, porra! Eu tenho de subir logo!” Gritava com Nazareth

Calmamente sugeri que ela fosse na Sala do coronel Fancoil ali, ao lado do Comitê, pois alguém tinha visto o coronel Fancoil entrando lá pouco antes.

Esbaforida e correndo lá foi ela. Da minha mesa eu ouvia os berros dela socando a porta:

“Coronel Fancoil, coronel Fancoil, coronel Fancoil!”

De repente silêncio e ela desapareceu. Continuei minha matéria e Nazareth sua rotina colocando papéis com informações oficiais nos escaninhos dos jornalistas credenciados.

Lá em cima a cerimônia terminou e os repórteres já estavam de volta à Sala de Imprensa quando, espantados, viram a moça da Roquete Pinto parar junto da minha mesa, olhar para mim e gritar:

“Além de careca é babaca! Coronel Fancoil é a puta que o pariu!”

E saiu arrastando seu imenso gravador e a bolsa recheada de papéis.

A partir de então o coronel Fancoil era sempre sugerido de ser procurado quando os novos repórteres ali credenciados tinham alguma dificuldade.

Um deles foi o meu querido amigo Fábio Pannúnzio que subiu ao 4º andar para uma entrevista com o coronel Fancoil. Como sempre bem humorado, levou na brincadeira e riu muito quando ele mesmo também pegou novatos na área.

O mistério das tvs do Planalto

Anos 80, governo do presidente João Batista Figueiredo. A Secretaria de Imprensa do Palácio do Planalto ficava no segundo andar. No extenso corredor, na ala contrária ao mezanino onde está o salão principal do palácio, ficavam as salas de trabalho. Eram várias: a do porta-voz Carlos Átila; as dos adjuntos de imprensa; as do cerimonial; de relações públicas; xerox; copa e a maior delas, a Sala de Briefing.

No fim do expediente, quando o presidente já tinha deixado o prédio, as secretárias ligavam os aparelhos de tv em suas salas. Faziam hora enquanto aguardavam que os chefes dessem um “até amanhã”. Ficavam assistindo noticiário ou a novela das sete.

As televisões do Planalto, adquiridas por licitação, eram todas iguais, da mesma marca e novas.

Certa noite, depois de transmitir todo o material do dia para a redação, eu e Carlos Zarur resolvemos dar um giro pelo andar da Secretaria de Imprensa. Passando em frente de cada sala vimos as secretárias com as tvs ligadas.

Foi aí que tivemos a ideia. Descemos até a Sala de Imprensa e pegamos o controle remoto da tv da sala dos jornalistas. Já de volta ao 2º andar, numa sala vazia do Cerimonial, pegamos outro controle da tv ali instalada.

Munidos, cada um com um controle, percorremos o corredor do segundo andar. E, sem deixar que as secretárias nos vissem, parávamos escondidos junto da porta das salas e dávamos um comando no nosso controledirecionado à tv ali ligada.

Algumas tvs nós desligávamos. Outras, mudávamos de canal e a sacanagem maior era quando aumentávamos o volume ao máximo ou baixávamos todo ele.

As secretárias entraram em pânico. Começaram a se comunicar por telefone e o problema parecia ser geral. Todas as tvs do andar haviam surtado.

Na sala do porta-voz Carlos Átila aumentamos o volume de tal modo que ele abriu a porta do seu gabinete e deu um esporro na secretária. Sua sala tinha sido invadida pelo som alto de uma novela que vinha da sala dela.

– Não fui eu não, secretário, essa televisão está doida. Tá fazendo tudo sozinha. Muda de canal, aumenta e abaixa o volume sem mais nem menos – justificou ela.

Nessa hora, enquanto ele reclamava, deixamos a tv funcionando normalmente.

– A tv tá normal, não vejo nada de errado – disse ele voltando-se para sua sala.

– Só porque o senhor está aqui ela parou de dar tilt. Tá doida a tv – disse ela.

Mal ele saiu, mudamos do jornal local para uma pregação evangélica. Colocamos no volume máximo. Ecoou pela sala:

“Irmãos afastai o satanás de vossas vidas…”

E Átila:

– Desliga esse aparelho, pelo amor de Deus.

Ela imediatamente desligou. Ele começou a sair, nós a ligamos de novo.

Em desespero a secretaria correu e retirou o fio da tomada.

Nas outras salas o clima era também de espanto geral. Foi aí que elas acionaram o sistema de manutenção da Presidência.

Dois técnicos chegaram. Começaram a inspecionar sala por sala. Nessa hora Zarur e eu paramos a “Operação Liga-Desliga”.

Ficamos de longe acompanhando discretamente a movimentação. Cerca de meia hora depois os técnicos deram o seu laudo: Tudo absolutamente normal. Todas as tvs e a captação de sinal estavam sem qualquer interferência. Deram boa-noite e se foram.

Assim que vimos os dois entrando no elevador para descer, reiniciamos a “Operação Liga-Desliga”.

– Nossa Senhora, querem endoidar a gente. Começou tudo de novo”, dizia uma das secretárias.

Outra correu ligando para a portaria do térreo pedindo para avisarem aos técnicos para retornarem porque o problema permanecia.

Isso levou quase hora e meia de liga-desliga, abaixa-aumenta, tira da novela e joga num programa infantil, muda em seguida para uma pregação evangélica, põe em propaganda, volta a deixar a tv muda.

E, para neura geral, jogávamos num canal sem operação. O chuvisco da tela e o ruído da ausência de sinal exasperavam as secretárias.

Até que lembramos que estávamos com um dos controles da tv da nossa Sala de Imprensa. Lá deviam estar a procura dele para assistir ao jornal da noite.

Então, antes de descer, aumentamos o volume de umas, desligamos outras e corremos escada abaixo.

Até hoje, nem as secretárias, nem o serviço de manutenção e menos ainda o Serviço Nacional de Informações descobriram a causa de tal fenômeno.