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“Uma questão de justiça”

O artigo “Uma questão de Justiça” é de autoria de Lidiane Vieira Bomfim, juiza federal e Walter Nunes da Silva Junior, juiz federal e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte:

No último dia 14 de outubro, o mundo assistiu à prolação da histórica decisão unânime do Tribunal Constitucional Espanhol, em que foram condenados os responsáveis pelo conjunto de ações das ins-tituições da Comunidade Autônoma e das organizações separatistas, levadas a efeito para a criação de um Estado independente na Catalunha, condenando políticos catalães arautos do movimento que levou à declaração de independência da região.

Catalunha, rica comunidadeespanhola, possui governo autônomo sobre uma população de 7,5 mi-lhões de habitantes, identidade cultural, língua própria, sendo histórico e forte o sentimento naciona-lista e independentista.

A Constituição Espanhola, como cediço nos países democráticos, protege a integridade do Estado.
No caso da Catalunha, o Tribunal Constitucional havia declarado expressamente a inconstituciona-lidade do referendum e proibido sua realização, nos moldes em que concertados, que tinham apenas aparência de legalidade. Assim, todas as condutas praticadas para a criação, em 20 Setembro de 2017, do Estado independente após referida decisão, foram efetivadas ilegalmente.

Os líderes manifestantes, ao tempo em que avocaram para si o “direito de decisão”, não cumpriram as determinações legais, tendo sido acusados pelas mais diversas ações que configuraram fatos tipi-ficados como crimes, a exigir uma atuação legítima da Corte de Justiça daquele País, com a conde-nação dos acusados pelos crimes de sedição, desobediência e malversação de dinheiro público.

Os direitos democráticos evidenciados no Século XXI, como o princípio do respeito às minorias, não pode ser exercido fora dos padrões legalmente constituídos dentro de uma sociedade organizada, sob pena de, a despeito de se invocar uma democracia plena, prestar-se para instaurar um estado sem normas, e pior, fazer com que pouco mais de 2 milhões de votantes decidam pela independência de uma região que conta com mais de 7 milhões de habitantes – isso sem falar na sonegação do direito de participação de todos os cidadãos de nacionalidade espanhola, que também possuem interesses políticos, sociais, econômicos e culturais nessa questão. Se essa participação restrita fosse aceita, a minoria estaria legitimada a decidir e impor sua vontade sobre a maioria, tendo essa que se sujeitar àquela, em um tema contaminado por fatores históricos e acima de tudo culturais, que fazem parte da identidade do povo espanhol em si.

Numa sociedade organizada, ninguém pode avocar para si o direito de contrariar impunemente a leis sem sofrer suas consequências diretas. A decisão exarada pelo Tribunal Supremo, órgão superior em todas as ordens jurisdicionais, composta por magistrados independentes e imparciais, deve ser res-peitada como instrumento civilizatório para equacionar problemas gerados por atos praticados ao arrepio da lei. Nas chamadas questões de justiça difíceis, sempre e sempre haverá espaço fértil para a crítica; sem que esta possa servir de escudo a movimentos gerados com o escopo de impedir o império da Constituição e das leis, ou mesmo de desrespeitar ou deslegitimar as decisões judiciais, sob pena de negação do postulado da justiça e do próprio Estado Democrático de Direito.