Em 2022, comemoramos 200 anos do Tribunal do Júri no Brasil, o tribunal popular onde os réus são julgados por seus iguais. Instituído por decreto de Sua Alteza Real, o príncipe regente Dom Pedro I, em 18 de junho de 1822, tinha inicialmente competência para o julgamento dos “crimes de imprensa” e, com o passar do tempo, passou a julgar apenas crimes dolosos contra a vida (tentados ou consumados): homicídio; infanticídio; aborto e induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio, os crimes que mais afligem a sociedade.
Com essa legislação, o Brasil teve o primeiro julgamento realizado por juízes de fato, em 1º de agosto de 1822, ainda sob a regência da ordem jurídica da Coroa Portuguesa. Nele, João Soares Lisboa, redator do Correio do Rio de Janeiro, foi o réu. O júri está previsto na Constituição Federal de 1988, no título II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais; Capítulo I, Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos; artigo 5º; inciso XXXVIII, configurando, portanto, cláusula pétrea.
Em seu bicentenário, o Tribunal do Júri continua a provocar debates acalorados, muitas são as questões que envolvem essa instituição tão democrática em que a celeridade, a oralidade e a eficácia são as características mais marcantes e que configura um modelo menos autoritário de aplicação da justiça.
No Arquivo do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro encontramos processos que datam do século XIX, como o do homicídio contra o réu Joaquim Antonio, datado de 1834, acusado de assassinar Antonio Marcelino da Silva. Foi julgado no Tribunal de Relação do Rio de Janeiro. O Conselho de Acusação deste processo foi composto por 48 jurados e sorteados 23 destes, através de cédulas retiradas de uma urna por um menino. Não temos, porém, acesso à conclusão desta ação.
Do mesmo ano, temos o processo contra João Liodat e Alexandre Robady, acusados de arrombamento e furto de duas armas da prisão do Quartel do Corpo da Guarda da Vila de Nova Friburgo. O primeiro Conselho de Acusação julgou improcedente a acusação de Alexandre Robady e procedente a acusação de João Liodat. Um segundo Conselho, porém, decidiu absolver João Liodat.
Diversos desses processos do século XIX estão sendo restaurados pela equipe do Museu da Justiça. Um deles é o processo datado de 1872, em que constam como réus um escravo chamado Bonifácio e, como vítima, o comerciante de escravos José Moreira Velludo. Na Rua do Ouvires, no Rio de Janeiro, Bonifácio e cerca de 20 escravos espancaram o comerciante por causa de uma negociação que ele estava fazendo para enviá-los para uma fazenda de café do interior. O juiz aceitou a denúncia apenas contra sete escravos, tendo absolvido dois deles. A pena para os outros cinco foi “cem açoites, trazendo depois de os sofrer um ferro ao pescoço por seis meses”.
Há também processos mais recentes e que ainda hoje mexem com o imaginário das pessoas, como o do assassinato do escritor Euclides da Cunha pelo cadete do exército Dilermando de Assis e do que ficou conhecido como O Crime da Tonelero.
O século XX foi marcado por crimes brutais e julgamentos impactantes nos tribunais do júri do Rio de Janeiro, como o assassinato da atriz Daniella Perez por seu colega de trabalho na TV Globo Guilherme de Pádua e sua então esposa Paula Thomaz, que foi julgado no I Tribunal do Júri da capital e completa 30 anos em dezembro deste ano.
É também inesquecível o crime que ficou conhecido como Chacina da Candelária, quando cinco adolescentes foram executados aos pés da Igreja da Candelária e outros três foram baleados pouco depois. Julgado pelo Conselho de Sentença do II Tribunal do Júri, esse crime completa três décadas no ano que vem. (TJ do Rio)